Manifesto


Lançamento do Movimento Quilombo Raça e Classe



Durante muitos séculos a única referência da população negra brasileira foi a senzala. Ensinaram-nos que o nosso lugar era o da submissão e da passividade. Disseram-nos que não tínhamos história e nem patrimônio cultural. Acreditavam nisso e achavam que também acreditaríamos. Estavam enganados!
Desde o primeiro negro e a primeira negra que pisaram os pés neste país  que em nenhum instante aceitaram suas condições impostas de escravidão, pelo contrário, lutaram, resistiram, construíram, organizaram e se solidarizaram. Recuperaram e reinventaram a África da propriedade coletiva, do respeito aos mais velhos, do papel central da mulher e da solidariedade. Fizeram de seus corpos, mentes e de sua ginga instrumentos de luta e resistência. Nossa herança é esta! Nossa referência não é e nunca foi a senzala! São os quilombos, as lutas, as revoltas!
Este é o primeiro princípio de nosso movimento: a reivindicação da resistência e luta histórica da população negra, daquelas e daqueles que com suas próprias mãos e ações diretas construíram sua liberdade e combateram a exploração da elite latifundiária branca.
Mas não foi só isso, ao contrário do que alguns setores querem nos fazer pensar, as negras e negros desde país nunca lutaram apenas por si mesmos. Os quilombos comprovam isto. Não eram apenas territórios negros, mas espaços de solidariedade de classe, pois para lá se dirigiam e eram recebidos todas e todos que queriam lutar por melhores condições de vida.
Os quilombos foram uma afronta à sociedade desigual, tornaram-se exemplos de sociedade fraterna e igualitária. Constituíram-se em espaços de unidade de luta dos trabalhadores pobres brancos, indígenas e da população negra. Foram espaços onde a opressão e a exploração eram atacadas de frente, a partir da união solidária entre homens e mulheres. Este é o nosso segundo princípio: a unidade das trabalhadoras e trabalhadores brasileiros na luta contra a opressão e exploração.
Tendo certeza que esta luta não ocorre e nem se dará nos gabinetes e escritórios fechados, muito menos no parlamento burguês – mesmo não negando que em determinados momentos o combate jurídico e no parlamento são de certa importância – mas, sim, pela ação direta e mobilização coletiva como forma privilegiada de luta: este é mais um dos nossos princípios e dele não abrimos mão. Pois, a rua, a praça, a mobilização, a barricada são nossos territórios de resistência, são nossos espaços de criação, são nossos lugares de revolta e construção. Onde levantamos nossas bandeiras, gritamos nossas palavras de ordem e conversamos com os iguais a nós...
Nesse sentido, a independência a qualquer órgão governamental, empresa capitalista ou partido político é princípio fundamental. Não aceitamos cargos comissionados nem financiamento governamental ou da burguesia. Isto não quer dizer que não aceitamos membros de nosso movimento em partidos, mas apenas afirma que nossas deliberações são tomadas em instâncias próprias de deliberação coletiva. A democracia interna, a formação política e a participação da militância estarão sempre na base de nossas ações.
Reivindicamos como mais um de nossos princípios: o internacionalismo. Dessa forma, recuperamos o verdadeiro sentido da expressão Mãe África. Mãe de todos e todas nós, mulheres e homens negros americanos, europeus, asiáticos e africanos. Internacionalismo na luta, na solidariedade como nossos companheiros haitianos, com nossas camaradas palestinas, com nossa juventude egípcia. Nossos e nossas, porque somos quem luta contra a exploração capitalista e o racismo como ideologia orgânica do capital.
Sendo assim, negamos a democracia racial e a mestiçagem como símbolos de nossa identidade. A ideologia do branqueamento causou estrago. Quase nos convenceu da superioridade branca européia. Mas fracassou!
Disseram que nós éramos escravos e passivos, desmentimos nos quilombos, revoltas, fugas e na autodefesa explícita; disseram que não tínhamos história, nem civilização, nem arte, nem intelectualidade, desmoronamos essas tolices com livros escritos, com a desconstrução das teorias racistas e demonstramos a riqueza, diversidade e beleza de nossas histórias; tornamos-nos intelectuais orgânicos de nossa classe e de nosso povo como o foram Zumbi, Negro Cosme, Luiza Mahim, Steve Biko, Malcolm X, os Panteras Negras, Anastácia, Dandara, Acotirene, Aquatune e tantos e tantas mulheres e homens negros e negras que mostraram sua humanidade na luta, na resistência e na proposição solidária de uma outra sociedade.
O que foi a Balaiada, a Revolta dos Malês, a Cabanagem, o Quilombo dos Palmares se não exemplos de solidariedade entre as trabalhadoras e os trabalhadores brancos e negros em busca de um nova forma de sociedade. Negaram o sistema escravista e com ele as formas primitivas de acumulação capitalista e formação de uma burguesia sanguinária. Essa é nossa verdadeira identidade, olhe para a história do Brasil e verás: negros e negras juntos com os trabalhadores brancos em solidariedade na luta por outra sociedade que não aquela hierarquizada e desigual imposta. Essa é a nossa verdadeira identidade: a luta, a revolta, a unidade entre os trabalhadores, a aliança em luta da raça e da classe na defesa da transformação do status quo.
Das muitas mentiras que disseram pra gente, a mais recente é a do triunfo do capitalismo e da derrota do socialismo. É o fim da história e, por conseqüência, o domínio do tempo do capital. Mas o tempo não é, nem nunca foi algo dado e eterno. Pelo contrário, se tem uma característica essencial da humanidade é sua capacidade de construir o tempo, não o tempo imutável dos latifundiários escravistas e da burguesia que rezam e fazem de tudo para sociedade permanecer com tal, para garantir a ordem e conquistar o seu progresso parasitário. Um tempo sem mudança, a - histórico e sem devir.
Nosso tempo é outro! É o tempo da mudança, da transformação. É o tempo verdadeiramente humano, aquele que constrói a sociedade em busca da humanização humana. Quem mais fez isso na história do mundo que não as classes trabalhadoras! Quem mais fez isso na história do Brasil que não a população negra! Este é o tempo do socialismo, mais uma vez a desconstrução da mentira burguesa. Este é o nosso fim, não um fim já dado, mas um fim que será construído como tudo o foi na humanidade.
 Não acredita? Quem acreditava que os próprios negras e negros conquistariam sua liberdade? Que acreditava que um dos países mais empobrecidos do mundo, com uma população analfabeta em torno dos 90% conseguiria fazer uma Revolução socialista? Quem acreditava que negras e negros esfarrapados e vitimados pela escravidão conseguiriam construir uma sociedade como Palmares; Quem acreditava que depois de quase 400 anos de escravização nós estaríamos aqui, neste dia, 25 de julho de 2011 – dia internacional da mulher negra latino-americana e caribenha – celebrando nossa luta, nossa resistência e nossa história.
Esse é o nosso tempo: o tempo de quem acredita na vitória de uma sociedade igualitária e que, portanto, recupera toda a tradição da população negra desde país. Este é nosso tempo! O tempo de fundação do Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe no Maranhão. 25 de julho de 2011, o tempo do nascimento de mais um dos coveiros do capital.