terça-feira, 21 de outubro de 2014

NOTA DO QUILOMBO RAÇA E CLASSE

EM DEFESA DO MARXISMO, DO MOVIMENTO NEGRO DE RAÇA E CLASSE E DOS MILITANTES


       Colaboramos e Participamos do 1ª Seminário Fela Kuti da UERJ por acreditarmos que os debates realizados pelo mesmo teriam importante cunho educativo, cultural, de formação política e que no campo democrático proporcionariam discussões de ideias de diferentes concepções. Apresentava como parte dos objetivos: “[...] diminuir a lacuna evidente na formação não só de professores e professoras de outras instituições. Mais o mais importante: a esperança de poder discutir coletivamente com os movimentos sociais, poetas, escritores, ativistas, militantes e somarmos todos e todas para pôr fim ao racismo no nosso país.”
Ao sermos convidados para a Conferência do dia 14/10/2014 com o tema: “Marxismo, Pan-africanismo, Racismo e movimentos sociais”, que contava com a presença do Cubano Historiador e Escritor - Carlos Moore, o Professor da UFRJ e Dirigente do PCB - Mauro Iasi, o Engenheiro da Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência - Maurício Campos, fomos avisados que o Professor da UFMA, Vice-Presidente da APRUMA Seção Sindical e Coordenador do Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe - Rosenverck Estrela Santos (Verck) coordenaria a mesa com um tempo de 10 minutos para problematizar e expor suas ideias, ou seja, interagindo com todas as falas. 
Surpreendemo-nos com as orientações da coordenação do evento, minutos antes do início da mesa, que o mesmo não poderia se pronunciar – Rompendo o combinado com a coordenação do movimento nas reuniões de organização que participamos. Diante disto o mesmo pediu então para não ficar mais a mesa, o que não foi aceito pela organização do evento, que insistiu que o mesmo continuasse. Avaliamos que esta mudança inesperada na metodologia da mesa possa ter relação com a reação do público à intervenção realizada pelo companheiro do Quilombo Raça e Classe/MA, o Professor Hertz Dias, na noite anterior (13/09/14) na mesa A África que Incomodou Fela Kuti e Continua Incomodando, com o Historiador e Escritor - Carlos Moore e o Professor da UFRRJ - Amauri Mendes Pereira, na qual o companheiro foi ovacionado pelo público, que pedia para o Amauri concluir, parar de falar, para que o Hertz falasse. Diga-se de passagem, nesta mesa o Moore foi absolutamente respeitoso com as diferentes posições, apresentadas.

Iniciou-se a noite de Conferência de Marxismo, Pan-africanismo, Racismo e Movimentos Sociais no dia 14, com a exposição dos convidados. Ao abrir para as perguntas ao Plenário a organização mostrou-se confusa na metodologia, optando finalmente por bloco de perguntas por escrito, ao iniciarem-se as respostas ao primeiro bloco o Historiador e Escritor Carlos Moore foi absolutamente desrespeitoso e desafiador em relação aos membros da mesa e da platéia que não concordavam com sua fala, reduzindo o debate político a todo tipo de ataque – aos gritos – ao Marxismo e aos marxistas, além de expressar uma defesa acalorada do governo imperialista de Obama (Presidente dos EUA que invadiu o Haiti e tem cometido todos os tipos de crime contra a população negra daquele país) dizendo que “preferia ver a América Latina governada por vários Obamas do que dominada por marxistas racistas”. Além de afirmar “não haver nenhum negro dirigente em partidos e organizações de esquerda no Brasil”, e que não teriam negros e nem marxistas para debater com ele. 

Foi a partir daí que o Professor da UFRJ e do PCB - Mauro Iasi, não se conteve e disse ao mesmo que ele precisava estudar a história do Brasil, seus Partidos e Organizações iniciando neste momento uma insatisfação em alguns presentes na platéia, natural dos que comungavam com as ideias disseminadas por Moore, além da insatisfação por ter na mesa deste debate a presença de dois debatedores não negros (Iasi e Campos). Mas tal reação foi desproposital tendo em vista não ser um debate exclusivo da questão racial, pois se tratava também da abordagem do Marxismo e do Movimento Social, que era o centro de militância dos mesmos. 

Frente à insistência de um grupo da platéia – que gritava e vaiava - em não admitir outras posições que não a de Carlos Moore e desrespeitar a condução e a continuidade do debate, o coordenador da mesa Verck expressou sua profunda indignação, igual a de todas e todos os camaradas do Quilombo Raça e Classe - marxistas que somos – não calando diante os ataques desrespeitosos de Moore e alguns integrantes da plenária para denunciar as milhares de mortes no mundo causadas pelo pais imperialista de Obama aos povos oprimidos e explorados no mundo capitalista!

Diante disto, alguns participantes do Seminário e a organização do evento foram em direção à mesa onde houve uma arbitrária e desrespeitosa intervenção sobre o companheiro Verck, onde foi agredido verbalmente não somente por expressar sua posição, mas por expressar uma posição que se contrapunha a colocada por Moore. Foi então que nos retiramos do auditório por conta de três razões básicas: Primeiro, para impedir um desastre – que os agressores irresponsavelmente não se preocuparam – pois havia crianças e idosos no auditório e uma confusão generalizada poderia causar danos irreparáveis; Segundo, por não concordarmos mais em estar ao lado de uma pessoa que não tem respeito por ninguém a não ser suas próprias idéias e Terceiro para garantir a nossa segurança. 

Porém, aproveitando-se do tumulto criado no entorno da mesa uma mulher “infelizmente” dirige-se ao Professor Mauro Iasi, ainda sentado à mesa ao lado de Carlos Moore, e o questiona sobre o fato dele ter dito ao Moore que deveria estudar, acusando-o de racista e o mandando “tomar no c...”. Mauro Iasi ao ser atacado se autodefende respondendo da mesma forma a agressora. Já de forma exacerbada, multiplicaram-se e gereralizaram-se as acusações de racista a Mauro Iasi, findando qualquer possibilidade de se continuar o evento. Apesar de Iasi ter se defendido e ou respondido a uma colocação mais exacerbada de um grupo de “mulheres pretas”, queremos registrar que não reivindicamos a reação agressiva do mesmo, mas também não concordamos com as posições intimidadoras e racialistas por parte das mulheres pretas em questão!

Não devemos cristalizar uma divisão no Movimento Negro no momento em que o Estado brasileiro e os patrões implementam uma política de “segurança pública” de tolerância zero, como as UPPs e a ocupação militar na Maré e no Haiti. Onde nossa juventude negra vem sendo morta todos os dias, nossas mulheres negras vem sendo estupradas, caracterizando um processo de genocídio do povo negro. Há um recrudescimento do racismo e do reacionarismo no Brasil e no mundo que tem que ser refletido das mais diversas formas na sociedade, inclusive, com o processo de criminalização dos militantes sociais, marxistas, trabalhadores de todas as raças e dos movimentos sociais e suas lutas, que desde Junho de 2013, tem sofrido centenas de prisões e processos.

Entretanto, do jeito que for necessário – como dizia Malcolm X – e mesmo que isto nos cause o embate, com tamanha tristeza de ver irmãos e irmãs, iludidos numa ideia pós-modernista, racialista e separatista, ainda assim, exerceremos a luta e a prática da concepção de raça e classe, socialista na defesa da união da classe trabalhadora, esta composta por negros e não negros, na luta contra o sistema opressor e explorador do capital, este sim nosso real inimigo!

Repudiamos as atitudes violentas e racialistas/pequena burguesa ocorridas na UERJ, distante da moral revolucionária da classe trabalhadora negra, e que não fazem parte de nossa história negra de luta!

“Não Há Capitalismo Sem Racismo” 
Malcon X

Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe
Rio de Janeiro, 19 de Outubro de 2014

O MARXISMO E A QUESTÃO RACIAL: reflexões anticapitalistas sobre a obra de Carlos Moore[1]


 Rosenverck Estrela Santos[2]

 1.      O marxismo: concepção de humanidade e sociedade na visão de Moore

        Proletários de todos os países, uni-vos![3] Essa é uma das frases mais emblemáticas e reproduzidas do pensamento marxista e contundentemente escrita por Marx e Engels. Quem pensou e popularizou essa frase e a transformou num emblema de luta de diversos povos e classes oprimidas e exploradas pelo mundo; Quem motivou a luta e as reflexões de milhões de intelectuais, movimentos sociais, jovens, estudantes, operários, camponeses, mulheres, homens; Quem produziu uma práxis que serviu de base para a luta de milhares de movimentos negros pelo mundo, dos Panteras Negras, dos direitos civis dos negros americanos, de parcela importante do ressurgimento do movimento negro no Brasil, de parte importante do movimento Hip Hop e dos movimentos da Negritude e do Pan-Africanismo, bem como do movimento negro Latino-Americano e da luta pela independência de dezenas de nações africanas foram os responsáveis pela elaboração de uma teoria racista, ariana e objetivamente defensora da supremacia branca sobre os demais povos? Pois bem, essa é a teoria exposta no livro do escritor cubano Carlos Moore[4].
            Hiperbólico. Essa é uma das definições que podemos imputar ao livro de Moore. Repleto de juízo de valores e adjetivos superlativos, o texto busca demonstrar que os precursores do marxismo – Marx e Engels – eram racistas e suas teorias pró-imperialistas e pró-colonialistas quando se referiam à África, Ásia e América estendendo-se aos seus povos, obviamente.
Defensores da supremacia branca e pautados na defesa da raça ariana ou da classe proletARIANA, Marx e Engels não apenas foram condicionados pelo seu tempo histórico, mas conscientemente defendiam a supremacia racial, cultural, moral e intelectual do Ocidente europeu sobre o resto da humanidade. Ou seja, para Carlos Moore, a concepção imutável e universalista da teoria marxista não passaria de uma defesa indisfarçável da especificidade e superioridade da Europa perante os outros continentes que, portanto, deveriam ser colonizados e dominados para obterem o progresso da história e da civilização.
          O livro, nesse sentido, combate o socialismo, a teoria marxista e assevera que nada representam ou podem representar para a luta dos povos não-europeus.
Mas qual a intenção de Moore ao escrever este texto? As palavras não são inocentes e a escrita muito menos. Não há neutralidade no discurso, na ciência ou na política. Se o marxismo é racista e o Comunismo não serve como referência de sociedade igualitária, qual o modelo que Moore defende? Se o Socialismo não nos oferece nada, quem nos oferece? Qual o modelo de sociedade Moore propõe? O capitalismo? O anarquismo? Algum modelo africano de sociabilidade e produção da riqueza?
          A análise de suas teses e de seus argumentoss é suficiente para compreendermos que modelo de sociedade Moore defende, mesmo que não deixe explicitamente escrito e que dito mesmo esteja apenas o ataque ao marxismo e o Socialismo sem propor absolutamente nada. É a indisfarçável neutralidade de quem se beneficia dela. Mas vamos às teses e argumentos de Moore e as reflexões necessárias para a nossa compreensão de seus reais objetivos.
        Em seu pequeno texto[5], Moore inicia acusando Marx e Engels de terem medido o mundo inteiro a partir do Ocidente europeu. Traz o Historiador Eric Hobsbawm – acusando-o de ser pouco sincero – para provar que Marx e Engels eram ignorantes quanto à história do mundo e que mesmo assim criaram uma teoria universal pautada na Europa. Hoje ainda, em pleno século XXI, a História da África é desconhecida pela grande maioria das pessoas, inclusive, por professores universitários do mundo inteiro. Sabemos que é uma história em reconstrução e muito do que se sabe foi escrito no século XX, a partir de inúmeras fontes e métodos. Mas, então, todos os professores de História que são ignorantes quanto a História da África são racistas e arianos? Se hoje não conhecemos a História africana como deveríamos, porque Marx deveria já ser um pleno especialista dessa História?
      Segundo Moore, a teoria de Marx e Engels e a ignorância em relação à História da África deveram-se ao profundo eurocentrismo, não podendo ser dissociados do ambiente e da época em que viveram, marcada pela ideologia da supremacia branca. Mas indagamos: somos produtos do meio e não temos condições de superar a ideologia de uma época? Os quilombolas, então, deveriam ser escravistas? Nós devemos ser capitalistas e não temos como fugir de nossa época e de nosso ambiente? Somos determinados social e geograficamente?
      Como imputar a Marx e Engels uma internalização de ideais racistas, para quem superou a ideologia da classe dominante de suas famílias para se vincularem a construção de um projeto de sociedade da classe trabalhadora? Se Marx e Engels seriam, portanto, produtos de sua época, como explicar o rompimento dos dois com a ideologia da classe dominante? Moore, obviamente explica a partir da vinculação consciente dos dois ao projeto de dominação branca. Para tanto, traz um autor que faz uma referência à concepção de Humanidade de Marx e Engels completamente distorcida, fazendo crer que os dois autores acreditavam numa humanidade com inclinação morais e intelectuais inatas. Qualquer leitura superficial do livro A ideologia Alemã coloca por terra essa afirmação.
Marx e Engels diziam que para entender este mundo não se parte do que se fala ou é falado, do que se diz ou é dito, do que se imagina ou é imaginado "[...] para, a partir daí, chegar aos homens em carne e osso; parte-se dos homens realmente ativos e, a partir de seu processo de vida real [...]" Com efeito, ao desenvolver sua produção e intercâmbio material, através do trabalho, transforma não apenas a realidade, mas o seu pensamento e o produto de seu pensamento. Pois, "Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência" (MARX, ENGELS, 1993[6]).
Sendo assim, a humanidade é histórica e social, na medida em que:

[...] somos forçados a começar constatando que toda a existência humana, portanto, de toda a história, é que os homens devem estar em condições de viver para poder "fazer história". Mas para viver é preciso antes de tudo comer, beber e ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação destas necessidades, a produção da própria vida material, e de fato este é o ato histórico, uma condição fundamental de toda a humanidade (MARX, ENGELS, 1993).

        Ou seja, eles não acreditam numa humanidade com inclinações morais inatas, mas em seres humanos que se constroem por meio de sua relação com a natureza e entre si, mediados pelo trabalho.
Com efeito, Moore continua o texto ratificando que em nenhum escrito de Marx e Engels podemos observar qualquer combate à supremacia branca de sua época e que acreditavam fortemente na raça como um fator de evolução na sociedade. Traz uma citação de Engels para afirmar sua sentença: por si mesma, no entanto, a raça é um fator econômico (MOORE, 2010, p. 67). Moore diz que falar de raça como fator econômico e tratar a raça como elemento inato causaria certamente acusações de fascismo se fossem proferidas por outras pessoas.
          Mas pensemos. Dizer que raça é um fator econômico, não significar dizer que não é biológico, portanto, é social? Hoje quando dizemos – movimentos sociais, intelectuais negros – que raça é social, política e histórica estamos certos, mas quando Engels disse que raça é o um fator econômico, ou seja, utilizada no sentido de que serve para exploração da população negra, ele é fascista. Invertem-se valores, distorcem-se frases e interpretações com qual motivo?

2.      Os marxistas e sua defesa do imperialismo e do saque colonial
  
       Continuando seu texto, Carlos Moore, ratifica sua posição de que Marx e Engels eram pró-colonialistas e imperialistas. Interessante é notar como é que alguém que vivia exilado, fugindo de um país para outro, por conta das perseguições poderia ser imperialista! Não seria o caso de se erguer um pedestal a Marx pelo seu excelente trabalho em favor do imperialismo branco europeu? Moore não faz referência à vida de Marx porque obviamente não o interessa e não autorizaria suas análises.
Mas prossigamos. Na análise que Moore faz do pró-imperialismo marxista está a ideia de que os autores do marxismo acreditavam na necessidade da agressão imperial, pois sua teoria do desenvolvimento social requeria essa violência. Moore diz:
          O raciocínio de ambos era simples: a carnificina e a pilhagem fora da Europa seriam a base para o desenvolvimento vertiginoso, no Ocidente, do Capitalismo industrial e da classe de trabalhadores assalariados. Por sua vez, isso levaria à revolução e, enfim, ao Socialismo (MOORE, 2010, p. 80)

        Percebam que Moore numa interpretação sui generis, transforma o que seria uma análise dos fatos históricos realizada por Marx e Engels que diziam que o Capitalismo surgiu no Mundo escorrendo sangue por todos os poros[7]; numa declaração propositalmente racista de ambos na defesa da violência e da carnificina dos outros povos. E continua seu texto dizendo que Marx e Engels menosprezavam latinos, eslavos, árabes e asiáticos e que, inúmeras vezes depreciaram conhecidos seus, pelo apelido de mouro. Só lembrando que o próprio Marx era chamado de mouro, inclusive por suas filhas, mas essa é uma história da vida de Marx que não interessa a Carlos Moore como já frisamos.
        Para ratificar sua argumentação, Moore faz uma série de considerações sobre uma das passagens mais conhecidas de Marx sobre o tráfico de escravizados no continente africano, escrita no livro O Capital. Considerações essas visivelmente distorcidas. Vamos expor, primeiro, as próprias palavras do Marx para depois trazer a forma como Carlos Moore expõe as citações e suas análises. Marx analisa:
      A descoberta das terras auríferas e argentíferas na América, o extermínio, a escravização e o soterramento da população nativa nas minas, o começo da conquista e saqueio das Índias Orientais, a transformação da África numa reserva para a caça comercial de peles-negras que caracterizam a aurora da era da produção capitalista. Esses processos idílicos constituem momentos fundamentais da acumulação primitiva.

[...] na Inglaterra, no fim do século XVII, esses momentos foram combinados de modo sistêmico, dando origem ao sistema colonial, ao sistema da dívida pública, ao moderno sistema tributário e ao sistema protecionista. Tais métodos, como por exemplo, o sistema colonial, baseiam-se, em parte, na violência mais brutal. (MARX, 2013, p. 820, grifo nosso).


E completa com relação aos povos americanos:
      O tratamento dispensado aos nativos era, naturalmente, o mais terrível nas plantações destinadas exclusivamente à exportação, como nas Índias Ocidentais e nos países ricos e densamente povoados, entregues à matança e ao saqueio, como o México e as Índias Orientais (MARX, 2013, p. 823, grifo nosso)

     E continua ironizando a ética cristã e puritana que discursava sobre o amor a Deus ao mesmo tempo que, na sua contribuição ao processo de dominação colonial, matava índios – homens, mulheres e crianças, indiscriminadamente.
Mais a frente diz:
     Com o desenvolvimento da produção capitalista durante o período manufatureiro, a opinião pública europeia perdeu o que ainda lhe restava de pudor e consciência. As nações se jactavam cinicamente de toda a infâmia que constituísse um meio para a acumulação de capital. [...] (MARX, 2013, p. 824, grifo nosso).

       Marx reforça na continuação do texto – denunciando o cinismo europeu – o fato dos europeus terem seu crescimento baseado na exploração do tráfico negreiro e na destruição da África, ao mesmo tempo em que associavam isso à sua suposta sabedoria política. E diz ainda:
Enquanto introduzia a escravidão infantil na Inglaterra, a indústria do algodão dava, ao mesmo tempo, o impulso para a transformação da economia escravista dos Estados Unidos, antes mais ou menos patriarcal, num sistema comercial de exploração. Em geral, a escravidão disfarçada dos assalariados na Europa necessitava, como pedestal, da escravidão sans phrase do Novo Mundo. (MARX, 2013, p.829)

        Bom, percebam os adjetivos e expressões que Marx usa em toda essa parte que se encontra no capítulo 24 do Livro I do Capital: o extermínio, a escravização e o soterramento; a transformação da África numa reserva para a caça comercial de peles-negras que caracterizam a aurora da era da produção capitalista; violência mais brutal; perdeu o que ainda lhe restava de pudor e consciência. As nações se jactavam cinicamente de toda a infâmia.
        Ele faz isso pra demonstrar toda a brutalidade e violência com que nasce o capital, expropriando os camponeses na Europa, exterminando os indígenas na América, escravizando e matando os africanos na África. Para dar conta desse fenômeno extremamente violento, Marx não poupa adjetivos depreciativos para caracterizar os atos europeus e as formas de consciência e discurso que os europeus ainda buscavam justificar tais atos. Usa de intensa ironia, como é característico em toda a usa obra, para analisar o processo de acumulação de capital e as justificativas infames dos europeus. Como alguém que usa todos esses adjetivos e expressões pode ser acusado de imperialista e pró-colonialista? Carlos Moore, não acredita na ironia de Marx e defende que toda a análise e constatação de Marx dos fatos históricos do processo de acumulação primitiva de capital não passa de uma defesa inconteste da exploração, expropriação e extermínio das populações americanas, asiáticas e, principalmente, africanas. Veja a forma com que Moore expõe as passagens supracitadas:
        O pensamento de Marx e Engels sobre a África não deveria surpreender, considerando o que foi exposto anteriormente. A destruição violenta que ocorria na África, e descrita por Marx peremptoriamente como a transformação da África num vasto campo de caça lucrativa, poderia apenas ter significado progresso, visto que ele próprio manifestara que esse tráfico marcava os albores da era de produção capitalista. A escravidão era, portanto, um fenômeno revolucionário. Nesse sentido, Marx salientou que De fato, a escravidão dissimulada dos assalariados na Europa precisava fundamentar-se na escravatura, sem rebuços, no Novo Mundo. (MOORE, 2010, p. 82-83, grifo nosso).[8]
       Observem que Carlos Moore utiliza as citações de Marx – que já analisamos acima – e fornece uma interpretação completamente distorcida acusando Marx de defender a caça lucrativa na África como uma necessidade para se atingir o progresso e a civilização. A análise dos fatos históricos, a crítica e denuncia a esse processo violento e brutal, a ironia quanto às formas de consciência pedantes dos europeus que Marx expõe, transforma-se na análise de Moore numa teoria para a dominação branca do mundo. Faça a comparação e tire suas conclusões analíticas.
        Moore prossegue seu texto, com algo inusitado: ele cobra de Marx e Engels uma postura diante da escravidão e do tráfico de escravizados. Diz ele:
Esses grandes internacionalistas revolucionários não expressaram sequer uma vez nem mesmo sua solidariedade moral quando confrontados com as inúmeras insurreições negras nas Américas. (MOORE, 2010, p. 84)
       Ora como Moore pode querer isso deles? Se eles são racistas, defensores da supremacia branca, eugenistas e arianos como querer que eles defendam os movimentos negros de resistência? Moore ataca, por exemplo, o ato dos autores do marxismo terem ignorado a revolução no Haiti.[9]
Que tipo de raciocínio é esse que acusa Marx e Engels de serem elaboradores de uma teoria de dominação e supremacia branca, proletARIANA[10] e depois os acusa de não defenderem os negros e não condenarem a escravidão? Ou seja, como podem ser defensores e elaboradores de uma teoria racista e ao mesmo tempo serem solidários à resistência negra? Em resumo, como Moore pode imputá-los de defensores da supremacia branca e ao mesmo tempo reclamar que não defendem a causa negra?
        Simples: construindo um discurso em que não há saída para Marx e Engels. Eles são culpados pela ação e pela omissão; por dizer e não dizer; por defender e não defender; isto é, façam o que façam; digam o que digam; escrevam o que escrevam serão culpados e sentenciados pela escrita inoxidável de Carlos Moore.
        Mesmo quando defendem a população negra, para Carlos Moore, na verdade o que está pro trás das palavras de Marx e Engels é o ataque indisfarçável aos negros e negras como observa o autor em análise:
     De fato houve apenas uma ocasião histórica que provocou a oposição vigorosa de Marx e Engels à escravidão negra: a Guerra Civil norte-americana (1861-65). Entretanto, uma análise cuidadosa de seus escritos revela que sua posição baseava-se exclusivamente em uma preocupação pelas vantagens que a classe trabalhadora ariana pudesse retirar de um conflito que opunha massas negras e opressores brancos (MOORE, 2010, p. 85).

         Moore, numa escrita de falsificação histórica, utiliza conceitos que em nenhum momento e em nenhuma obra Marx ou Engels escreveram como: classe trabalhadora ariana, classe proletARIANA e outros mais. Observem que na citação acima Moore quer dar a entender que Marx utilizava e era defensor da classe trabalhadora ariana. E continua com uma série de distorções quando, por exemplo, utiliza uma expressão de Marx – na página 87 do livro em análise – que descreve os EUA como o país mais progressista do mundo para dizer que na verdade Marx estava era defendendo a vitória da classe operária ariana internacional (p. 87). Antes já havia dito que Marx estava preocupado mesmo – na Guerra Civil americana (norte industrial X sul escravista) – era com a vitória da classe trabalhadora branca norte-americana, especialmente defendendo o norte contra os sulistas. O que é interessante e chega a ser curiosa essa análise de Moore, pois se Marx é racista, defensor da supremacia branca, por que cargas d’água ficou do lado do Norte contra o Sul? Já que o Sul representa tudo o que Marx defenderia: dominação branca, escravismo, etc.
         Só a cabeça fértil de Carlos Moore para explicar! Mas ele também diz:
Todo negro que engoliu a filosofia marxista com seus pretextos internacionalistas deveria reavaliar as posições oportunistas de Marx e Engels sobre a Guerra Civil norte-americana, seu silêncio a respeito das lutas de libertação negras de sua época, sua indiferença ao uso da África como um matadouro e a redução de milhões de africanos a burros de carga (MOORE, 2010, p. 89, grifo nosso).

       Se fosse Marx ou Engels a utilizar o termo burros de carga estariam agora mesmo sendo alvo de toda a espécie de crítica. Mas, vamos ao que interessa. Se voltarmos à leitura daquelas poucas passagens supracitadas do livro O Capital – e não estamos nem falando dos outros muitos livros em que ele analisa a Guerra Civil Americana e os outros fenômenos do surgimento da exploração capitalista e da organização da classe operária no mundo – veremos que posições oportunistas, silêncio e indiferença dentro de todos os defeitos de Marx e Engels não estavam entre seus preferidos, pois senão teriam vivido muito bem na Europa ariana e racista, o que qualquer passagem nas biografias mais depreciadoras deles provará o contrário.  


3.      A crítica ao socialismo como projeto de civilização

        Na parte em que trata do socialismo especificamente Moore inicia constatando que Marx e Engels eram absolutamente conscientes do papel que a escravidão teve na Revolução Industrial. Papel esse analisado e comprovado, afirmamos, por inúmeros historiadores brancos e negros. O que é interessante no livro em análise é que seu autor utiliza essa constatação de Marx e Engels para dizer que na verdade eles estavam era defendendo a intervenção colonial como único instrumento de modernização e desenvolvimento do mundo não ariano (MOORE, 2010, p. 96, grifo nosso).
Ou seja, Marx e Engels, na análise de Moore, defendiam o imperialismo e o colonialismo na América e na África como precondição de seu desenvolvimento e modernização para no final, inevitavelmente, chegarem ao socialismo. Dito de outra forma: a defesa do racismo e do ataque aos outros continentes também fazem parte do projeto socialista de mundo.
         Por essa razão há limites – segundo Moore – para a solidariedade proletARIANA. E esses limites encontravam-se no profundo desprezo que Marx e Engels tinham pelas populações não arianas. E, portanto, seriam defensores do colonialismo proletARIANO socialista (MOORE, 2010, p. 102). Moore utiliza novamente um conceito que em nenhum lugar Marx e Engels escreveram ou disseram, mas sem receio nenhum de falsificação histórica, utiliza com se fora dos autores.
A colonização, a opressão e a escravidão seriam, portanto, defendidos por Marx e Engels como necessários para construir a civilização, conseguir a regeneração e por fim fazer a revolução (MOORE, 2010. p. 104).
           Todos sabem que O manifesto Comunista é um dos principais textos de defesa do comunismo, da classe trabalhadora e ataque aos burgueses capitalistas, mesmo não sendo mais do que uma espécie de panfleto – apesar de sua profundidade. Dessa forma, perguntamos: por que no manifesto comunista não encontramos a defesa da classe trabalhadora ariana ou proletARIANA? Por que não encontramos a defesa da colonização e do imperialismo? Mais ainda, por que não encontramos a defesa do racismo e da supremacia branca? Se era uma espécie de programa político, porque não encontramos essas propostas? Por que Moore não faz a análise do Manifesto Comunista? Ao invés disso se satisfaz com comentadores e passagens fragmentadas e esparsas da obra de Marx e Engels. O desejo de atacar o marxismo é maior do que qualquer análise científica é o que percebemos claramente no livro de Carlos Moore. Mas por quê?[11]

4.      A sentença de Moore para o marxismo

       Por fim, Carlos Moore sentencia: pode uma ideologia sutil de natureza racista servir de ferramenta contra o racismo? (MOORE, 2010, p. 1080). É interessante notar que depois de tudo que Carlos Moore disse sobre o marxismo ele utiliza o adjetivo sutil. Mais uma das muitas contradições. Mas vamos em frente.
Moore termina o seu Livro sentenciando também:
As análises políticas de Karl Marx e Friedrich Engels, suas conclusões teóricas e ponderações filosóficas a respeito das mais diversas questões, foram naturalmente condicionadas por serem ocidentais, e não africanos ou asiáticos; brancos, e não negros ou orientais; homens livres do século XIX, e não escravos ou súditos coloniais.
[...] O mais importante de tudo é que devemos questionar, com veemência, a própria utilidade do Marxismo-leninismo em resolver problemas para os quais, na verdade, ele não tem resposta nenhuma (MOORE, 2010, p. 108). 

          A sentença de Moore é interessante e rica em detalhes. Vamos a eles. Em primeiro lugar, Moore escorrega novamente no determinismo social e geográfico ao imputar a Marx e Engels suas ideias por serem condicionados ao fato de serem ocidentais, brancos e livres. Isto quer dizer que toda a produção intelectual, artística, científica, etc. produzida por homens brancos, ocidentais e livres são de natureza racista? Apenas os africanos, os latino-americanos e os asiáticos podem combater o racismo e todas as formas de opressão e exploração racista? Ser europeu significa não ter qualidades para tanto? Parece que Moore cai na armadilha que tanto diz combater: o etnocentrismo.
          E mais, não é possível o marxismo dar respostas a problemas que ele não pode responder por conta de seus condicionamentos. Significa, então, que toda a produção intelectual, artística e científica da Europa e da Ásia não serve para pensar a história, a sociedade e a cultura de outros continentes e de outros povos? Precisamos abandonar então todos os clássicos do pensamento mundial? É claro que Moore não diz isso. Não é?
       Bom, termina com uma pérola que não estava no resto do texto: o conceito de marxismo-leninismo. Ou seja, da análise essencialmente dos pensadores Marx e Engels, Moore amplia para todo o conjunto teórico chamado de marxismo-leninismo. Ora, mas existem vários marxismos e é clássico e senso comum que o próprio Marx fez críticas a dezenas de auto-proclamados marxistas.
Por que então Moore em sua análise do Marxismo e a questão racial não tratou desses diversos marxismos? É evidente: um texto tão pequeno com tão poucas referências e fontes documentais não pode dar conta de fazer tal reflexão. Não pode tratar do movimento operário internacional, nem das diferentes correntes teóricas do marxismo; não pode dar conta de Gramsci, Trotsky, Lenin, Rosa Luxemburgo,  Lukács, Hobsbawm, Thompson, Escola de Frankfurt e mesmo da maior destruição do próprio marxismo: o stalinismo; não pode dar conta dos inúmeros intelectuais negros marxistas, nos Estados Unidos e no Brasil que pensaram a realidade do mundo por meio do combate e da análise do racismo como: Milton Santos e Clóvis Moura só para citar dois.  Mas então por que fazer um livro com uma tese tão complexa em poucas linhas e com referências tão escassas? A razão talvez esteja no objetivo: combater sob qualquer aspecto o marxismo, impedir a solidariedade de classe entre trabalhadores brancos e negros e gerar o ódio contra militantes comunistas[12], muito mais do que fazer uma análise científica e intelectual ou mesmo combater o racismo.
Não resta dúvida quanto a isso, principalmente quando Moore afirma com todas as letras que a fraternidade internacional e unidade proletária internacional e outros princípios desse tipo não passam de ideias e teorias ultrapassadas[13].
        A experiência de Carlos Moore como exilado político de Cuba pode dizer muito sobre suas convicções. No entanto, o seu combate legítimo ao racismo em Cuba e a ditadura de Fidel Castro, não pode e não deve servir de base para uma análise de toda uma práxis que vai para além das deformações do socialismo ocorridas em Cuba e no socialismo real como um todo. Mas, essas são reflexões que ainda teremos que fazer.
        Por ora, resta ainda uma questão: eram Marx e Engels realmente racistas e preconceituosos? Veja que estamos falando agora de seus sentimentos e ideias pessoais e não propriamente de sua teoria que Moore diz ser defensora da supremacia branca. Sinceramente não duvido que Marx e Engels possam ter sido preconceituosos e terem tido atitudes racistas, como era comum em sua época histórica. Mas para tanto, será preciso uma pesquisa muito maior do que a realizada por Moore e que inclua além dos textos de Marx e Engels, o cruzamento de inúmeras análises e fontes tais quais cartas, biografias e documentos de todo o tipo. Em especial as inúmeras biografias (pró e contra, pois não há neutralidade em biografias) que se tem sobre os autores devem ser analisadas e cruzadas a fim de verificar suas práticas supostamente racistas.
        Não duvido, pois, mesmo entre nós que lutamos contra o racismo, o machismo a homofobia inúmeras vezes somos pegos em práticas e atos que são considerados preconceituosos. Temos consciência que fomos educados – pela família, religião, escola, estado, imprensa – a sermos racistas, machistas e homofóbicos e romper com essa educação é uma dura tarefa que realizamos cotidianamente. Nem por isso, nossas ideias e práticas devem ser qualificadas de defensoras do machismo, do racismo e da homofobia. Não fosse assim, não teria surgido o movimento de mulheres negras que é uma prova que mesmo no interior do movimento negro o machismo e, digo, a homofobia ainda são marcas intensas e bem presentes. Mas não é por isso que vamos desqualificar o movimento negro e dizer que são artífices do machismo e da homofobia.
Com efeito, não resta dúvida que o movimento operário, sindical e classista historicamente tem tido dificuldade de trabalhar com a questão de raça e tem secundarizado essa luta, mas não é por isso que vamos desqualificar toda a luta de parte importante da classe trabalhadora brasileira chamando-a de defensora de sua hegemonia ariana. Não resta dúvida também que a intelectualidade marxista no Brasil teve muita dificuldade em discutir a importância central da questão de raça na determinação de nossa desigualdade, tão bem analisada por Dias (2010) [14], e que isso ainda hoje tem repercussões negativas no entendimento da realidade brasileira, mas nem por isso suas análises são absolutamente descartáveis. Assim como o movimento negro tem dificuldades em trabalhar com a ideia de classe e associá-la à questão de raça. Nem, por isso devemos dizer que o movimento negro é per si um movimento atrasado.
         Pois bem, enquanto não superarmos a dicotomia raça e classe no entendimento da história e da realidade brasileira estaremos fadados a fazer uma análise sempre parcial e insuficiente de nossas condições e não estaremos prontos para destruir o racismo e construir outra forma de convivência que não seja baseada na exploração e opressão de um grupo de ser humanos por outro. É por essa razão que acredito que o intelectual negro, marxista, piauiense Clóvis Moura tem muito mais a dizer sobre a nossa realidade e sobre o necessário projeto de sociedade que temos de construir, do que o cubano – educado nos Estados Unidos e na França, Carlos Moore.



[1] MOORE, Carlos. O Marxismo e a questão racial: Karl Marx e Friedrich Engels frente ao racismo e à escravidão. Belo Horizonte: Nandyala, 2010.


[2] Professor da UFMA, Coordenador do Movimento Quilombo Raça e Classe no Maranhão e vice-presidente da APRUMA- SEÇÃO SINDICAL.


[3] E não: Proletários brancos, arianos de todos os países brancos, superiores uni-vos!


[4] E observem que não estamos falando deles internalizarem e serem produto do pensamento racista presente em sua época – o que discutiremos mais a frente – mas, deles terem produzido conscientemente uma práxis abertamente racista, eugenista, eurocêntrica de ódio a outros povos e defensores da dominação branca como propõe Carlos Moore.

[5] Pequeno mesmo! Moore se propõe a sentenciar de racista e analisar o marxismo em toda a sua complexidade num texto não muito maior que um artigo acadêmico feito por um graduando em formação. E que tem como elaboradores do Prefácio e do Posfácio – que tomam quase todo o livro – eminentes integrantes do petismo e do governo Lula. No Seminário Fela Kuti organizado na UERJ, no dia 14/10/2014, Moore declarou que a obra completa foi perdida num furação e por isso só tem essa parte. Mas não houve tempo suficiente para escrever de novo? Moore respondeu no próprio Seminário que Marx e o marxismo não interessavam a ele! O engraçado é que ele escreveu um livro sobre o marxismo e disse que visitou todos os países onde Marx viveu para poder escrever o livro. Então se não interessa a ele, interessa a quem? Ver nota de rodapé nº 12

[6] MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia Alemã (Feuerbach). 9. ed. São Paulo: Editora Hucitec, 1993.


[7] Marx, 2013, p.830

[8] As partes em negrito e itálico são do próprio Marx. Em seu texto, Moore coloca aspas.

[9] É interessante como não vemos Carlos Moore fazendo essa mesma crítica ao governo do PT que mantém tropas brasileiras invadindo o Haiti nos dias atuais e cometendo toda a espécie de crimes e violência. Pelo contrário, ouvimos no Seminário Fela Kuti da UERJ, defesa aos gritos do governo OBAMA, o mesmo governo que mantém a ocupação militar no Haiti. Por que será? Ver nota de rodapé nº 12


[10] Vejam bem que não estamos falando de Marx e Engels serem racistas ou incorporarem preconceitos de sua época – que é algo que ainda vamos comentar mais a frente – mas da tese central de Moore que os coloca como elaboradores de uma teoria racista de dominação branca sobre o resto do mundo.

[11] Talvez as informações que pesam sobre Moore em relação aos financiamentos que obteve da CIA e da USAID, a sua biografia nada transparente, principalmente nas Universidades onde esteve, podem responder isso. Afinal quem financiou tantas viagens em tantos países diferentes? Como ir a cada lugar que Marx viveu sem gastar muitos dólares?  Ver o site: www.afrocubaweb.com/carlosmoore.htm


[12] Não é por acaso que o seu livro é publicado pela primeira vez no início da década de 1970, período em que a maioria dos países latino-americanos vivia sob ditaduras violentas e os comunistas ou qualquer militante de esquerda eram perseguidos, torturados e mortos pelos governos ditatoriais apoiados pelos EUA. A questão é investigar, qual a relação entre ambos os fatos.


[13] É interessante observar que no seu outro livro intitulado A África que incomoda: sobre a problematização do legado africano no quotidiano brasileiro. Belo Horizonte, Nandyala, 2010.  Moore defende a ideia de pacto social. Ou seja, a solidariedade internacional dos trabalhadores é ideia ultrapassada, mas o pacto social entre a elite e os trabalhadores é válido.

[14] DIAS, Hertz. Teoria marxista e ideologia da negritude: encontros e desencontros. In: REVISTA UNIVERSIDADE E SOCIEDADE. Nº 46, Brasília: ANDES – SN, 2010.

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I - o processo de produção do capital. trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

O lugar da periferia na nova conjuntura política que se abre no país.



As consequências são ainda imensuráveis. O sudeste do país em convulsão social, os trabalhadores e a juventude aos milhares dão as mãos nas ruas. O aumento das passagens de ônibus foi apenas o estopim que fez explodir o tampão que comprimia as lutas socais em nosso país há mais ou menos duas décadas.
Não tenho os dados, mas arriscaria dizer que esse processo em seu final terá como resultado não somente a redução do preço das passagens de ônibus, mas a diminuição dos conflitos intra periféricos  o arrefecimento da guerra interna entre a juventude das periferias dos grandes centros urbanos. Toda a energia outrora descarregada em uma guerra autofágica ganha vazão nas ruas, na multidão pacifica, mas enfurecida contra o Estado-classe e isso pode se espalhar por todo o país.
 A burguesia ver sua força espiritual questionada em multidões. Um dos seus principais materiais ideológicos, sua mídia comercial, está tendo sua autoridade moral abalada. E agora como defender a repressão se os seus jornalistas também estão na mira do “fogo amigo” do braço de ferro que tanto defendem? Jornalistas reacionários como Luiz Datena e Arnaldo Jabor esgotaram seus repertórios criminalizadores. O último teve que fazer autocrítica pública por ter afirmado que os atos de São Paulo eram coisas de jovens de classe média da USP.
 A juventude periferia sai do noticiário policial para entrar no noticiário político, ainda que enfrentando a mesma polícia que os reprimem cotidianamente, já que os direitos humanos não entram nessas localidades. Aliás, onde o PT diz que existe uma classe média emergente, há na verdade o aprofundamento da barbárie capitalista e nela a juventude negra é esvaziada da condição de ser humano. Em Alagoas a possibilidade de um jovem negro ser assassinado é mil vezes maior do que um jovem branco. A função do mito da democracia racial é invisibilizar esse etnocídio.  Mas, tal como no Brasil colonial, a humanidade desses jovens é resgatada na rebelião contra o sistema que os colocou nessa situação limite. De bandidos de alta periculosidade viraram baderneiros. Já é algum avanço.
A classe média que não pega ônibus se solidariza com a luta. Trabalhadores formais e informais se veem simplesmente como trabalhadores. O universo letrado e o plebeu das grandes metrópoles estabelecem entre si uma relação de confiança. É dessa solidariedade que a periferia precisa, aquela forjada na luta e não no assistencialismo do Terceiro Setor que educa o povo a não lutar. Nessas lutas, a periferia pode aprender que transformar o lixo da burguesia em luxo é ilusório, socializar o luxo é mais que necessário.  
O inimigo de classe está ficando mais visível, já não precisamos de lupa para enxergá-los. Não tenho dúvidas que novas lideranças, novas canções e novas consciências serão forjadas nessas lutas. Sinto que uma nova situação política pode nascer na periferia, desde que haja intervenção qualificada para isso. As condições estão dadas para que a periferia possa definitivamente encontrar o seu lugar, o da luta política pela superação do capitalismo.

Hertz Dias- Militante do PSTU e do Quilombo Urbano

quarta-feira, 6 de março de 2013

8 de Março: dia Internacional da Mulher Trabalhadora


O Dia 8 de Março se aproxima, nós trabalhadoras (os) temos como dever preservar esta data como um marco histórico do calendário de lutas de nossa classe. Há várias versões sobre a origem desta data, uma delas e a mais comum é a alusão a 129 operárias que morreram queimadas em Nova York em 1857 por reivindicarem melhores condições de trabalho.

Outra é que as operárias têxteis na Rússia no 8 de março (23 de fevereiro no calendário russo) revoltadas com a I Guerra mundial,  quando tiveram seus filhos e maridos assassinados iniciaram uma greve, que transformou-se em greve geral e mais tarde consolidou-se na Revolução Russa de 1917.
Estes episódios controversos tem em comum a luta das mulheres por melhores condições de vida, e em 1910 na II Conferência de Mulheres Socialistas, organizada pela II Internacional, foi criado o dia Internacional de Lutas das Mulheres para denunciar as extensivas jornadas, bem com as condições de trabalho, baixos salários e falta de direitos trabalhistas.

Neste sentido, ao contrário do que a burguesia e sua propaganda midiática apregoa, esta data deve ser celebrada com atos, debates e manifestações, sobretudo para denunciar a todos os tipos de opressão e violência que as mulheres estão submetidas.
A opressão da mulher tem aumentado e a sua face mais brutal tem sido a violência, chegando no Brasil  a triste estatística de a cada 2 horas uma mulher é assassinada. As estatísticas tem se ampliado em outros casos de estupros, agressões físicas, ameaças de morte, assédio moral e sexual, demonstrando a ineficácia da Lei Maria da Penha em 7 anos de sua existência.

Outra situação de violência é a ameaça de retirada de direitos, através do Acordo Coletivo Especial- ACE, proposto pelo governo Dilma para regulamentação de negociação entre patrões e sindicatos, permitindo acordos rebaixados e retirada de poucos direitos que as trabalhadoras ainda tem como férias, 13º salário, horas extras remuneradas, etc..Estes situações atingem, sobretudo, as mulheres pobres e negras, vitimadas todos os dias pelo capitalismo, que não tem criado nenhum instrumento eficaz para protegê-las. 

Neste sentido proteger as mulheres contra o machismo e o capitalismo deve ser uma tarefa de nossa classe de todos os trabalhadores nos sindicatos, movimentos populares, movimento de mulheres e de combate às opressões, partidos da classe trabalhadora, etc.
Desta forma, nós que construímos a Central Sindical e Popular- CONLUTAS juntamente com o Movimento Mulheres em Luta convidamos a todas (os) a participarem da Semana da Mulher Trabalhadora com a seguinte programação:

06 de Março: Debate Chega de Violência contra a Mulheres pela aplicação e ampliação da Lei Maria da Penha
8 de Março: Ato público A Situação da Mulher Trabalhadora- concentração às 15h na Praça Deodoro
09 de Março: Feijoada da Mulher trabalhadora- a partir das 12 h na Sede Social dos Bancários



terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Quilombo Raça e Classe lança cartilha no Dia Internacional de Luta Contra o Racismo


O Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe fará o lançamento da Cartilha sobre o tema racial, no dia Internacional de Luta Contra o Racismo, celebrado em 21 de março.

Como parte das atividades para o dia, o Movimento Quilombo Raça e Classe irá realizar diversas atividades com debates e atos cujos temas centrais serão a violência e as remoções ocasionadas pelos megaeventos. Essas atividades serão feitas conjuntamente com o lançamento da Cartilha do movimento.

A Cartilha também será vendida  na Reunião da Coordenação Nacional realizada de 22 a 24 de fevereiro em São Paulo. O custo da unidade é de R$5.

O material está disponível para encomenda e compra pelo contato:
 quilomboracaeclasse.nacional@gmail.com
Telefone: 21-86493543
Rádio: 23*93574

Quilombo Raça e Classe integra atividades para o Dia Internacional de Luta da Mulher

Além do lançamento da Cartilha, o Quilombo Raça e Classe, no Dia Nacional de Lutas das Mulheres, 8 de março, irá se integrar as atividades do Movimento Mulheres em Luta. O Quilombo Raça e Classe fortalecerá e aprofundará o debate da condição das mulheres negras na sociedade.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Mais um ato contra o racismo na UFMA


Na tarde de ontem 06 de fevereiro foi realizado um ato de protesto contra a atitude discriminatória do diretor e do coordenador de ensino do Colégio de Aplicação da UFMA- COLUN, denunciados por estudantes do curso de Artes Visuais da UFMA e também bolsistas que desenvolvem projetos de pesquisa do PIBID intitulado Arte Afro-brasileira. Estiveram presentes: DCE-UFMA, ANEL, Quilombo Raça e Classe, PSTU, Quilombo Urbano, APRUMA, CSP- CONLUTAS, alunos do PIBID, NEAB e outros.

Segundo os estudantes, o projeto estava sendo desenvolvido acerca de quatro meses na escola e no último dia 28 de janeiro foram surpreendidas pelos dois profissionais da educação com pergunta do tipo: O que tanto faziam na escola. A resposta imediata foi que ensinam arte, porém a atitude do coordenador, sem pedi licença alguma e com total tom de ridicularização foi pegar e sacudir os cabelos de uma das estudante- aWgerlice Martins- negra de cabelo black power e perguntou-lhe: “ E isto é arte?”.Diante disto, as alunas que se sentiram ofendidas, ridicularizadas em suas características, traços físicos, estéticos e também desrespeitadas em sua profissão, procuraram o DCE da UFMA e entidades do Movimento Negro para denunciar o fato ocorrido.


 

Para algumas pessoas não se trata de racismo, preconceito ou discriminação. Alguns que inclusive conhecem os docentes afirmam que se trata de um mal entendido e que apenas houve uma brincadeira por parte dos professores. Ora, o racismo é uma ideologia desenvolvida no século XVII, no qual as características raciais e culturais são utilizadas como forma de colocar em desvantagens um grupo sobre outro, foi isso que aconteceu no período colonial no Brasil, conhecido como mercantilismo- negros e negras foram arrancados da África, tranformados em "peças" fundamentais para a acumulação primitiva de Capital, foram coisificados durante quase quatrocentos anos de escravidão e até hoje resquícios da fatídica história permanece na mentalidade de muitas pessoas, a ponto de considerar fatos como estes naturais ou de não reconhecer as práticas preconceituosas e discriminatórias, que às vezes ocorrem de forma sutil, através de piadas, brincadeiras, chacotas.

Estas manifestações agem também de forma violenta- serve para negar a identidade negra, destruir os valores culturais, históricos e físicos. A pretensão é destruir autoestima dos negros (as), deixando suas vítimas inseguras, retraídas, sem capacidade de qualquer reação. A finalidade é dominar corpo e mente para que enfim possam dominá-los na totalidade.

No campo das relações de dominação as ideologias tem sido forte armas para dominar. No Brasil o mito da democracia racial combinado com a ideologia da miscigenação foram utilizados para negar a identidade negra, pois se não nos reconhecemos como negros, bem como acreditamos que não há racismo no país, fica difícil de lutar contra algo que não exista. Quando surgem fatos como estes as pessoas manipuladas por tais ideologias acreditam ser pura invenção, é algo para chamar atenção.  Por isso o movimento negro tem uma especificidade que é ajudar na conscientização e construção de identidades, além de unificar negros e não- negros no combate a opressão. Esta é a nosso ver uma posição política- estar ao lado de um setor significativo da sociedade que historicamente vive em situações mais vulneráveis, de empobrecimento e opressão.
Desta forma, o Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe, assim como as demais entidades presentes no ato se solidariza a estudante de Artes e Visuais  da UFMA- a Wgerlice Martins e a todas as vítimas de opressão.  Queremos tornar público que não seremos mais tolerantes com práticas como estas, visto que na UFMA casos como estes são recorrentes, a exemplo do estudante Nigeriano- do curso de Engenharia Química, Nuhu Ayuba que em 2011 foi perseguido, humilhado pelo professor José Cloves Saraiva no Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas da UFMA. Naquele momento, o professor em várias situações, proferiu palavras ofensivas e estereotipadas do tipo: “tirou uma péssima nota”, “é um péssimo aluno”, “deveria voltar a África e clarear a sua cor”, “somos de mundo diferentes, aqui diferente da África, somos civilizados” e perguntou também “com quantas onças já brigou na África”. Ainda não sentido satisfeito negou-se a corrigir o trabalho do aluno, limitando-se a escrever “está tudo errado”. Neste caso específico o professor está em pleno exercício de suas funções, nenhuma sanção foi registrada contra ele.

Vários estudantes têm denunciado as práticas racistas de professores de muitos cursos, que inconformados com as políticas de ações afirmativas- cotas estão sendo vitimas de humilhados e constrangidos em sua dignidade humana- são desqualificados em seus desempenhos, nas suas características e traços étnicos.  Estes fatos são repugnantes devem ser combatidos.
                        Não seja tolerante com tais ações, denuncie, Basta de racismo!

 

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

20 DE NOVEMBRO: DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA - qual a sua lição?



Rosenverck E. Santos
Prof. da UFMA (Campus Pinheiro)
Militante do Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe
 
É comum atualmente o dia 20 de novembro ser comemorado em diversos locais como um resgate da memóriade Zumbi ou da luta da população negra por sua liberdade. Tornou-se um dia que poucos confrontam – pelo menos de forma direta – e convencionou-se a trabalhar e resgatar nesta data a história e a cultura da população negra como bem obriga a Lei 10.639 de 2003. No entanto, o que significa resgatar e comemorar amemória de zumbi, a luta da população negra, de sua cultura, da história de sua resistência?
Muitos até esquecem ou nem sabem a história desta data, por qual motivo tornou-se o dia da consciência negra e quais embates tiveram que ser travados para fazer valer esse dia. Tornou-se para muitos uma data obrigatória e apenas formal. Necessária para se valorizar a diferença e a diversidade, sem nem ao menos questionarem a fabricação ideológica dessa diferença e dessa diversidade, tornadas externas ao ser humano como se nossa história desde o surgimento do primeiro ser humano no planeta terra – na África – não fosse marcada pela presença humanamente ontológica da diversidade.
Por isso somos seres de cultura, pois é nossa igualdade que produz nossa diversidade. Isto muitas vezes é esquecido nessa parafernália festiva da valorização e respeito dos diferentes. Oculta-se que no Brasil diferença é sinônimo de desigualdade e, portanto, valorizar e respeitar a diversidade significa valorizar e respeitar a desigualdade.
Então o que significa recuperar a memória de luta da população negra e de Zumbi? A palavra memória para muitos movimentos negros tornou-se apenas um conceito instrumental de lembrança do passado, de valorização de nossa cultura negra, de pedir respeito por nossa identidade, etc. A memória do dia da consciência negra para muitas escolas, universidades, intelectuais e movimentos negros não passa de uma lupa de aumento e resgate de nosso passado – violento, escravista e que deve ser refletido em prol da construção de um país cidadão.
Não por acaso a vertente historiográfica mais festejada atualmente é aquela que trata a resistência negra como um processo de negociação. Os quilombos, as fugas, a resistência de forma geral tem sido questionada em seu caráter emancipador e valorizada em suas características conciliadoras. Mas por que isso tem acontecido? Por que a resistência negra e, portanto, sua consciência deixou de vista como elemento transformador da sociedade escravista e de busca da liberdade a qualquer custo, para ser caracterizada como movimento de reformas e de melhorias dentro da própria sociedade escravista?
Diversos autores que trabalham com a memória afirmam que este é um conceito que inevitavelmente serve para analisarmos o passado, mas, sobretudo para construirmos nossa identidade social e coletiva. Portanto,memória é fundamental para rever o passado, porém não dissociado das questões do presente e relações de poder que atuam em sua utilização. Memória, nesse sentido, serve tanto para dominar quanto para resistir; tanto para manter, quanto para transformar; tanto para ocultar, quanto para desvelar.
Mas por que isso não tem sido discutido no interior de parte do movimento negro? Por que cada vez mais o dia 20 de novembro tem se tornado uma data festiva intramuros: nas escolas, nas universidades, nos gabinetes parlamentares, nas secretarias e ministérios governamentais, nas sedes de ONG’s. Por que abandonaram as ruas, as praças, as marchas, as passeatas, os cartazes, as faixas? Por que não se vê os movimentos negros – não todos é claro – nas ruas? Por que uma data de resistência e luta foi transformada numa data, exclusivamente, de consenso e negociação. Por que a memória tornou-se um conceito destituído de suas relações de poder e de toda a sua temporalidade, reduzindo-a ao passado?
Afinal, o que é consciência negra? Em qual sentido se fala de consciência? Existe uma consciência branca?Quais as características dessas duas consciências? Se definirmos a “consciência branca” como o processo de construção de uma forma eurocêntrica, machista, patriarcal, cristã, homofóbica, latifundiária e com mentalidade ainda escravista de se entender o Brasil e sua população, poderíamos pensar a consciência negracomo o avesso, a transgressão dessa forma de se entender e pensar o Brasil e sua gente? Confrontaríamos então a consciência negra – uma consciência crítica – contra a consciência branca e, dessa forma, construiríamos um Brasil melhor?
De dentro das escolas, universidade e gabinetes governamentais e parlamentares poderíamos potencializar essaconsciência negra por meio de leis, currículos, livros, emendas parlamentares, projetos de assistência do Terceiro Setor e, dessa forma, combater o racismo e todas as formas de discriminação e por consequência construirmos a cidadania negra tão deseja e adiada? Alguns movimentos e intelectuais acreditam nisso e é por essa razão que não conseguem mais sair do ar condicionado de seus escritórios e ocupar as ruas com faixas e gritos de protesto. Os gritos de protestos foram substituídos por esses senhores e senhoras pelas expressões “vossa excelência” e “... foi um avanço”.
A consciência perdeu sua materialidade e torna-se – como o conceito de memória – uma palavra destituída depráxis. A consciência tornou-se apenas um instrumento de interpretação da realidade, de leitura do passado e barganha por projetos no presente. Reflexão e ação que são unidades intrínsecas à construção da consciência crítica esta sendo mutilada em sua ação e transformada em mera subjetividade.  
A construção da identidade negra perde seu caráter reivindicativo e político em detrimento de seu caráter conciliador e cultural. Há uma ruptura da memória, da consciência e da identidade em favor de uma política conciliatória com aqueles que sempre potencializaram o racismo e a violência contra os negros e negras. É só observar a assinatura em baixo de parte dos movimentos negros dos acordos do “governo dos trabalhadores” com Sarney, Maluf e tantas outras oligarquias pelo país afora, além dos grandes empresários capitalistas.
Consciência negra é um mecanismo de rememoração de nossa herança ou uma categoria que deve potencializar a nossa luta? É uma categoria de reflexão ou de ação? Ganga Zumba ou Zumbi? Mandela ou Steve Biko? Machado de Assis ou Solano Trintade? Obama ou Mumia Abu-Jamal? Martin Luther King ou Malcolm X? Mulçumanos Negros ou Panteras Negras?
Não uso essas interrogações para escolhermos um ou outro. Não é essa a intenção. Essa aparente antinomia entre os citados acima é utilizada não para optamos por um dos lados, mas para mostra que tem acontecido essa opção. Que um setor do “movimento negro domesticado” tem optado claramente por um caminho que se distancia de muitos dos citados.
Qual a nossa tarefa? Qual o significado do 20 de novembro para os que não querem abandonar as ruas, as praças, as marchas? Qual deve ser a lição do dia da consciência negra? 
É conhecida a luta de Zumbi dos Palmares contra Ganga Zumba quanto este quis fazer um acordo com os escravocratas e o governo a fim de garantir a liberdade apenas àqueles que se encontravam no território de Palmares, renunciando dessa forma a luta e resistência contra a escravidão, exploração e opressão que eram marcas da sociedade colonial brasileira. Ganga Zumba aceitou o acordo, pois achava que era um avanço conquistar a liberdade para os palmarinos mesmo que renunciando à luta pela liberdade dos outros escravizados e escravizadas, sem falar nas condições futuras de vida. Zumbi não aceitou esse acordo, sua luta não era apenas pela liberdade dos Palmarinos era contra a estrutura escravista da sociedade brasileira.
Não aceitou renegar a totalidade de seu povo por promessas falsas, logo comprovadas com a prisão dos que aceitaram o acordo. Zumbi manteve-se firme em seu propósito e por isso é lembrado hoje como grande líder da luta pela emancipação da população negra neste país. Esse é o exemplo de Zumbi e Palmares. Esse é o exemplo de quem não se rendeu aos acordos escusos com a oligarquia latifundiária e escravista.
A luta dos escravizados no Brasil não teve recuo, nem acordos escusos. Não ignorou a maioria em detrimento de alguns supostos benefícios que mais enganam do que fazem avançar a luta dos negros e negras deste país. Ocultam que o Quilombo dos Palmares foi o avesso do mundo dos engenhos do açúcar, portanto, uma negação do sistema escravista latifundiário. Como, então, podemos nos contentar apenas em melhorar por meio de reformas o sistema socioeconômico no qual vivemos?
Por que será que o “movimento negro domesticado” – e volto a frisar que consiste apenas em parte do movimento – não reforça e relembra o fato de Zumbi dos Palmares ter negado por três vezes no mínimo o sistema escravista e por consequência o status quo e o seu Estado de poder e dominação, mesmo após o governador de Pernambuco ter proposto um acordo que aparentemente parecia vantajoso para Zumbi. Pois não aceitou! Não aceitou benefícios individuais em troca da luta coletiva; não aceitou privilégios para si em troca da liberdade de seus companheiros e companheiras; Não a paz para si, contra a emancipação de um povo; Não aceitou a existência de um sistema que oprimia e explorava o seu povo em detrimento de um outro mundo que deveria ser construído e que Palmares tinha iniciado.
O “movimento negro domesticado” esqueceu que Zumbi foi antes de um conciliador um guerreiro da luta, que se negava a acordos de cúpula e muito menos aos benefícios individuais por ser uma liderança. Que não aceitava os gabinetes nem o conforto individual em detrimento da luta direta pela melhoria das condições de vida de seu povo.
Essa é a História de Zumbi dos Palmares que negou o mundo escravista aos quinze anos de idade ao se recusar a viver com o padre Melo e voltou para Palmares onde tinha nascido; que negou o mundo escravista aos 23 anos ao não aceitar a paz de cúpula que Ganga Zumba queria assinar; que negou mais uma vez ao 25 anos quando recusou a paz e a liberdade individual que o governador de Pernambuco lhe propôs.
 
Esse é Zumbi dos Palmares. Essa deve ser a lembrança e a lição do dia 20 de novembro: dia da CONSCIÊNCIA NEGRA.