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RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS, EDUCAÇÃO E EXPLORAÇÃO CAPITALISTA NO BRASIL: reflexões introdutórias

                                             Rosenverck E. Santos/  Prof. da UFMA (Campus Pinheiro)

                                                                                               
Para discutir as questões referentes à educação e relações étnico-raciais é necessário caracterizar e problematizar o papel social da educação, da escola e do racismo no contexto do capitalismo, bem como de suas especificidades no Brasil, tendo em vista sua experiência de quase quatrocentos anos de escravidão.

Quanto ao papel da educação na sociedade capitalista em sua função histórica, diferente do que em regra pensamos, não consiste num instrumento de ascensão social e progresso material.  Pelo contrário, caracteriza-se pela reprodução da ideologia dominante e das relações sociais de produção por meio da inculcação dos valores burgueses e da formação do capital humano ou reprodução de força de trabalho. Isto é, a educação tem servido a adaptação subjetiva e técnica – mesmo que não plenamente – ao modo de produção capitalista.

Nossa escola é herdeira dos ideais liberais burgueses da Revolução Francesa e pauta-se nos valores da igualdade abstrata, da liberdade condicionada e da propriedade privada como valor absoluto, mesmo que encobertos pelos mantos das chamadas democracia e cidadania. Em verdade, esses ideais terão funções bem distintas na Europa e no Brasil em virtude de sua história escravista e latifundiária que mantém bem viva as suas influências mesmo com a construção e consolidação do capitalismo urbano-industrial dependente.

O racismo, sinteticamente, é uma ideologia que vincula as características físico-biológicas à condição moral e intelectual da pessoa tendo por objetivo hierarquizar e garantir dominação. A pergunta central é: dominar para quê? Muitos diriam que a pergunta importante seria: - dominar quem? Mas, essa pergunta é secundária se avaliarmos a principal função do racismo, pois independente de quem atinja, em essência sua função permanecerá a mesma.

O racismo é apenas um mecanismo de dominação moral e subjetiva ou uma ideologia orgânica de consolidação do capital, portanto, de sustentação da exploração capitalista.[1] O racismo está exclusivamente na esfera do poder, da moral ou, pelo contrário, não se desvincula das condições necessárias da consolidação e exploração do/a trabalhador/a?

Fazemos essa reflexão por duas razões. Primeiro, por conta da supervalorização das discussões em torno da questão do poder – tornando-o um fetiche – em detrimento de suas relações com a exploração capitalista. É como se o “poder” adquirisse vida própria desvinculado das relações sociais de produção.[2] Uma segunda razão, refere-se às concepções que a maior parte das pessoas, entre elas os/as professores/as, tem sobre racismo – muito influenciada é verdade pelos meios de comunicação e intelectuais ligados a uma concepção de racismo ahistórico.

A concepção dominante sobre racismo no Brasil relaciona-o simplesmente ao caráter moral, subjetivo e intelectual do ser humano. Um mero desrespeito ao outro, uma ignorância intelectual. Sua função seria apenas dominar moralmente, colocar-se numa posição de superioridade intelectual diante de outra pessoa[3] eliminando qualquer associação com a exploração capitalista. Isto resulta que a sua saída, solução, seria também pela via da subjetividade, da escola e não pelas mudanças estruturais que teria que ocorrer na sociedade capitalista.

Diferentemente dessas posições nos situamos entre aqueles que acreditam que o racismo é uma ideologia orgânica do capitalismo. Que surgiu para reforçá-lo e consolidar o seu desenvolvimento. A escravidão e depois as elaborações dos mitos raciais na América fazem parte do repertório da dominação e exploração fortalecido pelo racismo.

Com efeito, educação[4] e racismo como práticas sociais no capitalismo serviram aos mesmos interesses: dominar e explorar a classe trabalhadora, bem como desenvolver o capital. Pensar essa relação é fundamental para entendermos o que se passou e se passa no Brasil quando discutimos educação e relações étnico-raciais.

Enquanto nos países capitalistas centrais a educação era ponto chave para desenvolver o modo de produção emergente – capitalismo – em detrimento do feudalismo e de suas relações sociais; no Brasil a educação e, portanto, a escola, não teria valor nenhum e nenhuma função social para a classe dominante[5] e seus intelectuais, pois se na Europa a educação era um dos instrumentos necessários para qualificação técnica – mínima é claro – dos trabalhadores, bem como a difusão e reprodução dos novos valores contrapostos aos feudais; aqui em terras brasileiras esta inculcação e reprodução era garantida pela violência da escravidão. O chicote, as senzalas e o capitão do mato faziam muito bem o papel da escola europeia (nunca sem resistência, é preciso ratificar).

Se analisarmos que de pouco mais de quinhentos anos de invasão europeia nas terras dos Tupis e dos outros povos pré-colombianos, quase quatrocentos foram sobre o regime escravista, entenderemos o quanto importante foi e é a elaboração e consolidação do racismo naturalizado no Brasil, como também, simultaneamente foi e é fundamental a ausência de esforços para garantir educação pública para a classe trabalhadora. E, neste caso, não é possível dissociar a história da classe trabalhadora da história da população negra, a não ser aqueles que não compreendem ou querem esconder que em nosso país raça e classe não se desvinculam da constituição de suas formas de dominação e exploração.

Dito isto, pensar educação e relações étnico-raciais no Brasil passa por analisar uma relação pautada historicamente na marginalização e exploração de uma parcela essencial da classe trabalhadora brasileira: a população negra[6]. Basta ver a associação entre escravismo, latifúndio e capitalismo dependente; a opção pelo Império, depois da independência; a constituição da lei de terras em 1850; a política de imigração europeia subvencionada; a associação entre o mito da democracia racial e a política de embranquecimento na República e tantos outros exemplos da história brasileira onde a exploração de classe está profundamente associada a dominação racial. Portanto, é muito mais que uma questão de tolerância, poder e moral, é pensar nas formas nada humanas de sustentar um sistema que destrói a natureza e sobretudo, se não mudarmos o pêndulo da história, destruirá a própria humanidade.

Para tal empreitada – de marginalizar e explorar – vários mecanismos foram construídos, sendo o mito da democracia racial e a política de embranquecimento dois eixos centrais. Ambos tiveram ressonância no mundo do trabalho, da religião, da arte, da ética, da estética[7] e, não poderia ser diferente, na educação e escola, com as quais nos deteremos mais precisamente.

Em síntese, quando o trabalho escravo era predominante não havia necessidade de educação para o povo e assim foi feito repercutindo num atraso histórico em relação a outros países. Entretanto, no Brasil de capitalismo dependente – pós-abolição – a referência era outra e a educação assumiu sua função reprodutiva só que reelaborada a partir do racismo naturalizado reforçando a desigualdade social por meio da democracia racial.

Em outras palavras, para garantir a marginalização e exploração da população negra que antes era garantida pela violência explícita da escravidão, construiu-se uma série de procedimentos cuja função era garantir a perda da identidade da população negra e sua consequente submissão a ordem e o progresso da sociedade burguesa brasileira à moda europeia.

Evidente que sem referência identitária, perde-se a memória e com ela a consciência sobre a escravidão e de todos os determinantes de classe, raça e gênero da desigualdade da pessoa negra. Além disso, impede-se ou fragiliza a rebeldia negra tanto ao esconder os exemplos de resistência histórica (quilombos, fugas, revoltas, etc.) como pela naturalização da desigualdade, já que num país de oportunidades iguais para todos os cidadãos – este era o ideário da nação brasileira republicana - a condição social de cada um era sua única e exclusiva responsabilidade delegando o fracasso social e educacional da pessoa negra aos seus próprios atos.

Erigia-se a meritocracia racial brasileira e negava-se o racismo como condição sine qua non para as desigualdades raciais no Brasil, incluindo-se aí as desigualdades educacionais.

Aqui caberiam algumas problematizações. Será que a escola dual – uma para a elite e outra para a classe trabalhadora – tão característica da Europa foi desenvolvida no Brasil quando pensamos na população negra? Será que se cruzarmos os índices – pelos recortes raciais – da população total do Brasil ao longo de sua história com os índices da educação da população negra nós não teríamos como resultado surpreendente a própria negação da escola dual. Ou seja, que a escola brasileira mesmo para formação mínima dos trabalhadores nunca atingiu a população negra? Será que a partir desses dados não seria possível afirmar que por parte da elite brasileira nunca houve um projeto de educação pública que atingisse a grande maioria da população brasileira: os negros e negras?

Afinal de contas se na Colônia e no Império existia a escravidão e, portanto, a educação não era necessária e se depois com a República existia um projeto deliberado de marginalização da pessoa negra e isso incluía – dialeticamente – a exclusão da população negra do mundo do trabalho e da educação, qual teria sido o projeto de educação para população negra por parte da burguesia brasileira? Ousamos responder: nenhuma!

Portanto, podemos novamente problematizar. Será que mesmo o projeto de educação da burguesia ou pequena burguesia liberal brasileira mais progressista que preconizava uma educação propedêutica para a elite e uma tecnicista para os trabalhadores se estendia ao conjunto da classe trabalhadora, em outras palavras, se estendia aos negros e negras? O que diz a média estatística histórica em relação à desigualdade educacional entre brancos e negros – mesmo entre os pobres? Penso que essa média estatística responderia essa questão e com clareza no que diz respeito à marginalização educacional da população negra.[8]

O currículo, o livro didático, as práticas pedagógicas, dentre outros, têm sido instrumentos algozes da condição negra na educação reforçando o padrão eurocêntrico de civilização em detrimento de qualquer outra referência histórica e cultural.[9]

Racismo, homofobia e machismo são expressões ideológicas e práticas de transformação da diferença humana – ontologicamente essencial – em desigualdade social que tem por objetivo a exploração do trabalho humano para usufruto de alguns poucos. E nesse cenário que da educação e da escola tem se retirado no capitalismo todo o potencial emancipatório.

De qualquer forma, sabemos das contradições da sociedade capitalista e, assim como o racismo gerou imobilidade e marginalização, também, por outro lado, gerou resistência e auto-afirmação. A educação segue esse roteiro e enquanto trabalho social necessário a emancipação deve ajudar a abrir caminho para negar-se enquanto reprodução e afirmar-se enquanto transformação da realidade humana. É o que desejamos é o que temos que fazer.

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                    MALCOLM X 
         "Não há capitalismo sem racismo"




El Hajj Malik El Shabazz, mais conhecido como Malcolm X, o Malcolm Little, Nascido no dia 19 de maio de 1925, em Omaha, Nebraska. Foi um dos maiores lideres defensores dos direitos dos negros nos Estados Unidos. Fundou a Organização para a Unidade Afro-Americana, de inspiração socialista., Malcolm X conduziu uma parte do movimento negro nas década de 50 e 60, Apesar da religião ter sido a porta de entrada para Malcolm X perceber todos os problemas sociais enfrentados pelos negros, pouco a pouco, ele percebeu a questão do negro não era uma questão apenas de carácter teológico, mas sim, uma questão política, econômica e civil. Assassinado no dia 21 de fevereiro de 1965 em Nova Iorque.

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 MONTEIRO LOBATO, UM RACISTA CONSCIENTE!


Em 2010 quando o Conselho Federal de Educação considerou o livro As Caçadas de Pedrinho do escritor Monteiro Lobato (1882-1948) como racista uma multidão de intelectuais brasileiros se transformaram rapidamente em advogados apaixonados do referido escritor. Para esses intelectuais, Monteiro Lobato não era um racista, nem tampouco suas obras. Mas, será mesmo? Vejamos.
Os contos que deram origem ao seriado global O Sítio do Picapau Amarelodemonstram por si só o caráter racista de Monteiro Lobato. Nele só os brancos vivem as aventuras (Narizinho, Pedrinho, Dona Benta, Emilia, Visconde, etc.) enquanto os negros não passavam de serviçais e “pestinhas” (Tio Barnabé, Tia Nastácia e os sacis). Porém, alguns alegam que foi a Rede Globo quem deu o tom racista a esses contos. É verdade que a Rede Globo é um poço sem fundo de racismo, mas Monteiro Lobato não fica nem um pouquinho atrás de Roberto Marinho. No livro As Caçadas de Pedrinho ele escreve “Tia Nastácia, esquecida de seus numerosos reumatismo, trepou, que nem macaca de carvão”.
Na verdade, os defensores da “honra” do grande escritor brasileiro não demonstram a mesma preocupação com a autoestima de milhões de crianças negras que são obrigadas a ler esses contos racistas no interior de suas escolas. Mas, não é só isso. Em 2011, foram reveladas cerca de 20 cartas inéditas de Monteiro Lobato que demonstram claramente que ele não era só um escritor contaminado por preconceitos de sua época, mas um racista consciente e da pior espécie. Uma excelente matéria escrita por André Nigri foi publicada na revista Bravo! a respeito dessas cartas. Em uma delas Monteiro Lobato escreve que “País de mestiço onde branco não tem força para organizar uma Ku Klux Klan, é um país perdido”, ou seja, o desejo dele era que os brancos brasileiros criassem uma organização que exterminasse negros, assim como fez os brancos racistas dos Estados Unidos após a Guerra Civil que culminou com a abolição da escravidão naquele país.
As cartas de Lobato eram enviadas, sobretudo, para o paulista Renato Kehl (1889-1974) e para o baiano Arthur Neiva (1880-1943) ambos defensores de que negros e mestiços fossem esterilizados para não reproduzir mais por serem considerados “inferiores”. Essa política ficou conhecida como “eugenia negativa”, baseada na ideia de que a raça branca/ariana era superior a todas as demais. Foi na eugenia que os nazistas se apoiaram para eliminar mais de 8 milhões de judeus.
Monteiro Lobato não é só um homem do seu tempo, na verdade ele é um produto consciente do sistema capitalista e do racismo branco e faz parte do grupo daqueles intelectuais que buscavam estabelecer o vínculo orgânico entre a superestrutura, onde se encontra as ideologias, com a infraestrutura, onde se acomodam as classes sociais e os grupos étnicos. Para muitos desses intelectuais era o contingente negro que fazia do Brasil um país atrasado e não a impotência da burguesia brasileira em romper com a dominação que o imperialismo exercia sobre o nosso país. Diante dessa situação preferiam defender que seria necessário branquear o país para que o mesmo alcançasse o status de civilização e para isso nada melhor do que organizar uma Ku Klux Klan tupiniquim.
Quando Marx afirma que “as ideologias de todas as épocas é a ideologia da classe dominante” ele estava querendo explicar que toda formação social tem a sua ideologia correspondente, ideologia essa que serve para falsear a realidade social e justificar a dominação de classe.
Monteiro Lobato e tantos outros de sua época eram parte de um bloco ideológico a serviço dos interesses da nascente burguesia brasileira e de suas velhas oligarquias que precisavam de intelectuais orgânicos que justificasse a exclusão estrutural do negro no pós-abolição e que, por outro lado, legitimasse a burguesia branca enquanto classe/etnia dominante.
Em outras palavras, a exclusão do negro estaria justificada em razão de sua suposta “inferioridade” e não como decorrência de uma política deliberada de seletividade racial aliada à incapacidade das elites brasileiras de se enfrentarem com a dominação imperialista que limitava o desenvolvimento das forças produtivas em nosso país. Em meio a isso, o etnocídio (eliminação cultural) ou o genocídio (eliminação física) sempre foram armas muito bem usadas por essas classes contra o povo negro e justificadas por seus intelectuais.
Basta ver nas estáticas a cor das principais vítimas de homicídios, desempregos, analfabetismo e detenções para se dá conta de que o projeto de “eliminação racial” que Monteiro Lobato abraçou conscientemente se realiza cotidianamente no Brasil. O massacre de Pinheirinho levado a cabo pelo PSDB de Alckmin e os despejos de dezenas de comunidade quilombolas a mando do governo Dilma do PT são exemplo emblemáticos da perenidade dessa política de “purificação racial”.
Os trabalhadores de maneira geral precisam ter clareza de que o racismo não é ahistórico e nem muito menos flutua acima das classes sociais, o racismo é uma ideologia orgânica do capital, portanto, a luta pela sua eliminação deve ser combinada com a luta pela destruição do capitalismo. Para isso é necessário que os explorados e oprimidos se organizem de maneira autônoma e independente do Estado, da burguesia e das organizações de direita.


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Racismo no Futebol: 
só falta botar peruca de branco em 
jogador negro.

Vira e mexe a imprensa comercial burguesa mostra casos de racismo que acontecem principalmente contra jogadores negros, sobretudo na Europa. Mas, o que pouca gente percebe, é que essa mesma imprensa é uma das maiores disseminadoras do racismo no futebol brasileiro. Em suas transmissões as seleções africanas são sempre taxadas de ingênuas, irresponsáveis e violentas, quando na verdade o jogo mais violento da história das copas envolveu duas seleções européias, Portugal e Holanda, em 2006 na Alemanha. O jogo terminou com 12 cartões amarelos e quatro vermelhos. Só que agora chegou a vez dos “cabelos negros”. Durante o campeonato brasileiro de 2011 quando o jogador Bruno Cortêz, na época no Botafogo, hoje no São Paulo, se destacava nacionalmente como um grande lateral, sendo inclusive convocado para a seleção brasileira, o programa Globo Esporte levou ao ar uma longa matéria que fazia mais referencia preconceituosa ao cabelo estilo Black Power do jogador do que ao seu talento nos campos. O mesmo ocorreu recentemente com o jogador William Barbio, que tem se destacado no Vasco. O que o Globo Esporte destacava pejorativamente era a sua “cabeleira” e não suas jogadas.

No dia 20 de fevereiro o mesmo Globo Esporte vinculou uma matéria sobre a vitória de 3x1 do Flamengo contra o Resende. O gol que selou a classificação do Flamengo para a semifinal da Taça Guanabara foi marcado pelo jovem atacante Negueba. Novamente a preocupação era mais em mostrar que o jogador havia tirado suas tranças do que falar do seu gol decisivo. Nessa mesma matéria o jogador Deivid, também do flamengo, disse em tom de ironia se referindo a Negueba que “negro do cabelo duro tem que raspar que nem eu faço (...) é melhor do que passar três horas fazendo tranças”.
Para encerrar a baboseira racista o apresentador Alex Escobar enfatizou “concordo com você Deivid”. No jogo contra o Vasco, Negueba resolveu reimplantar suas comentadas tranças, talvez como resposta aos absurdos da dupla Escobar/Deivid.
Ao que tudo indica quem está incomodado com as tranças não é a cabeça dos jogadores que as usam, mas a cabeça racista da imprensa branco burguesa que detesta o estilo africano de ser. Para quem não sabe, é assim que a ideologia do branqueamento se materializa, colocando o fenótipo branco europeu com protótipo a ser seguido por todos.
Exaltar a negritude em meio a isso não é uma boa pedida num país tão racista como o Brasil. Por outro lado, quando jogadores negros como Neymar e Ronaldinho Gaúcho resolvem agredir suas negritudes alisando seus cabelos crespos (não duros), para se aproximar do padrão de beleza estabelecido como superior, os alardes não acontecem nas mesmas proporções. Se onda pega vão começar a defender que os jogadores negros usem perucas.


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A ARMA QUE ATIRA E A IDEOLOGIA QUE MATA: 
a guerra interna como política de Estado*
              
 Quinta-feira (04/08), dez e meia da noite, dois rapazes em uma moto enquadram outro de aproximadamente 25 anos de idade e ceifam sua vida com um tiro na perna e dois na cabeça. No final da tarde do dia seguinte, um dos prováveis suspeitos elimina a sangue frio outro jovem de 22 anos de idade com um tiro no ouvido. A vítima morreu sentada ao lado de uma garrafa de vinho que bebia, depois de passar um dia inteiro vigiando carros nas proximidades de uma feira.

Após o segundo crime, dezenas de motos da Força Tática e algumas viaturas da polícia militar desfilavam pelo bairro, para os olhares atônitos dos moradores, como se estivéssemos em um daqueles desfiles das Forças Armadas em comemoração ao 7 de Setembro. Um razoável período de trégua foi quebrado por alguns tiros fatais. Sim, esse foi mais um fim de semana violento ocorrido no bairro da Liberdade, próximo do centro comercial de São Luís. Para minha tristeza, conhecia todos os envolvidos.
 O que foi morto na quinta-feira tinha abandonado o crime e estava sobrevivendo de “bico” ou em breves temporadas em uma empreiteira daquelas que explora os operários como no tempo da escravidão e depois os demite. Era pegar ou lagar: ser escravo do tráfico de drogas ou da “droga” do capital. Ao menos na segunda opção havia a possibilidade de sindicalizar-se e lutar por melhores salários e condições de trabalho, algo impensável no mundo do tráfico. Esse operário morto era primo de um militante do Quilombo Urbano.
  O que foi assassinado na sexta-feira chegou a fazer parte do grupo de rap “Dialeto Preto” do Quilombo Urbano e estava com planos de formar um novo grupo. Era forte, alto, boa pinta, mas portador de uma ingenuidade que poucos na periferia ainda têm. Apesar de não parecer, ainda era muito jovem. Há poucos meses o seu algoz alcançara a maioridade.                 
  No sábado, ao visitar o bairro pra “sentir o clima”, fiquei sabendo que um ex- dançarino de break  foi condenado a 25 anos de prisão em razão de alguns assaltos cometidos em mansões localizadas no outro lado de uma ponte que divide o bairro da Liberdade dos bairros de luxo de São Luís.  Esse ex-dançarino nunca assaltou no bairro  e muito menos tirou a vida de gente pobre e negra.
 Há um jogo de interesses que fundamenta este quadro e este jogo tem cartas marcadas; marcadas pelo nível social do crime que se comete, senão, vejamos:
Para exemplificar, vamos nos ater a um grupo de cinco jovens, todos menores de idade que tive a oportunidade de conhecer entre 2002 e 2005, período em que morei na Liberdade. Todos eles se criaram juntos. Pode até parecer ficção, mas todos, que aqui não citarei nomes, são homicidas.
 Alguns destes chegaram a jogar no mesmo time de futebol de praia em que eu e outros membros do Quilombo Urbano jogávamos. A “pelada” ocorria todos os domingos na praia do IPEM, localizada há alguns quilômetros do bairro.
Somando os homicídios que estes jovens cometeram, nos últimos três anos, o resultado é mais ou menos dez. Isto mesmo, tiraram a vida de aproximadamente dez jovens iguais a eles, pobres e negros! Para o espanto dos desavisados, apenas um deles está preso.
 Seria complacência da justiça e da polícia com a juventude negra e pobre que pratica crimes contra gente da mesma origem? Será mesmo que nossa segurança pública é realmente falha, como dizem alguns? E a polícia? Está, de fato, despreparada, como propagandeia a grande mídia? Estariam os policiais com medo de enfrentar os “bandidos” mais bem armados que eles?  E o judiciário, não os condena por temer represálias? É claro que nada disso é verdade: nossa justiça não é cega e, ainda por cima, sente o cheiro de carne preta.
 Há apenas uma lógica para isso, matar pobre e negro não é crime; Ou ainda, a vida de um negro vale menos que uma minúscula parte de uma riqueza acumulada injustamente pelos ricos do Maranhão. Para alguns do bairro da Liberdade que ousam, individualmente ou em pequenos grupos, recuperar, de armas em punho, uma parte dessa riqueza, a punição é passar longos anos em presídios ou passar dessa vida para outra. Para crimes cometidos contra os ricos, a justiça e a polícia são implacáveis. 
 Por outro lado, quem é morador do bairro sabe (tão bem quanto os governos) que matar e não ser preso na periferia não significa mera impunidade, muito menos imunidade, mas a aquisição do status de “gado humano” enfileirado para o abate na “arena” da guerra interna. Numa pesquisa realizada no bairro da Liberdade no período de 2007 e 2008 para minha dissertação de mestrado, constatei que um número impressionante de jovens que se envolviam em crimes e continuavam “circulando” no bairro em pouco tempo eram mortos, isso quando não eram obrigados a matar para não morrer em tentativas de vinganças. Cabe dizer que essa situação de revanchismo cria um clima de tensão permanente dentro do bairro, destruindo laços de afetividade entre os moradores além de inviabilizar ações políticas de todos para enfrentar problemas comuns.
 No entanto, não posso deixar de falar que o nosso time de futebol dilui-se na droga, especialmente na merla e no crack, que tomou conta do bairro da Liberdade e das periferias brasileiras como um todo.  Misturando-se a um punhado de armas que entram no bairro, sem pedir licença aos moradores mas com a anuência da polícia, o resultado não poderia ser outro. O mesmo Estado que proíbe e criminaliza o consumo e o tráfico de drogas é o mesmo que permite que as drogas, especialmente as mais pesadas, entupam os bairros pobres.  Por ser um negócio ilegal, os acertos de contas geralmente são resolvidos no “tribunal das ruas” e a sentença é aplicada na guerra interna.
 Para termos ideia de como esse ciclo da guerra intra-racial se mantém, basta lembrar que a principal rivalidade existente no interior do Presídio de Pedrinha é entre os detentos oriundos do bairro da Liberdade contra aqueles vindos da Baixada Maranhense; sendo que a maioria dos moradores da Liberdade é remanescente de quilombolas que perderam suas terras na Baixada Maranhense.
 A chacina em Pedrinhas ocorreu paralela ao assassinato do quilombola Flaviano, da comunidade Charco, na Baixada Maranhense, a mando de um latifundiário. O acusado da execução é um presidiário que ganhou indulto para fazer o “serviço” sujo. 
 A tática é dividir o bairro, ou melhor, dividir os pobres, seja pela disputa entre traficantes, seja pelos crimes cometidos por motivos fúteis, estimulados pelo desemprego, pelo vício no crack e o acesso facilitado às armas de fogos. A política no interior das periferias para robustecer a Guerra Interna (guerra “burra” de pobre contra pobre) é a mesma utilizada nos presídios.
 Um jornal de grande circulação no Maranhão publicou uma matéria de capa comprovando tudo aquilo que nós do Quilombo Urbano denunciamos a mais de dez anos: nas cadeias há uma política deliberada de jogar indivíduos de grupos rivais nas mesmas celas, pavilhões ou nas triagens. Segundo o jornal, essa foi uma das causas da rebelião seguida de chacina de detentos que chocou o país, ocorrida no presídio de Pedrinha em 2010.  Ora, o sangue derramado nas cadeias respinga nos bairros e vice-versa, reoxigenando a perversa cadeia alimentar da guerra interna na periferia. Essa é a lógica, não existe outra.
A outra face dessa guerra é fazer com que o universo político das comunidades pobres gravite em torno do “violencentrismo”, ou seja, da violência sem adjetivo de classe que aparece como único ou mais grave problema que esses bairros enfrentam. O “violencentrismo” tem a função política de invisibilizar todos os demais problemas estruturais da periferia, problemas esses que são as causas fundamentais da violência.
Na quarta-feira (03/08), um dia antes dos homicídios citados, a comunidade da Liberdade organizou uma grande manifestação contra as irregularidades das obras do PAC. Há muito tempo não se via algo assim no interior de um bairro que tinha tradição de luta comunitária. O ato teve grande repercussão na imprensa e no próprio bairro. Mas, nos dias seguintes a atenção da comunidade se deslocou dessa atividade política para o “violencentrismo”, por conta dos dois crimes ocorridos na sequência.
Em 2007, algo parecido aconteceu. Enquanto o Governo do Estado anunciava o fechamento da escola Cesar Aboud que atendia centenas de estudantes do bairro, moradores se organizavam para fazer uma passeata exigindo o retorno do Serviço Velado da Policia Militar, após o assassinato de uma garota de 12 anos, vitima de bala perdida. A escola fechou sem nenhum esboço de manifestação coletiva.
Durante toda a década de 1990, a violência entre as galeras de pichação foi inúmeras vezes utilizadas para ofuscar os crimes praticados pelos grupos oligárquicos contra o pálido Estado Social do Maranhão ou para projeção política de seus pares.
No dia 17 de novembro de 1992, a imprensa sarneísta divulgou um suposto arrastão ocorrido no Centro Comercial de São Luís atribuído a um grupo de jovens pertencentes a galera de pichação “Garotos da Bota Preta”. Logo depois, foi comprovado que tudo não passava de uma grande farsa orquestra por políticos ligados ao grupo Sarney, que pretendiam ocupar a Secretaria de Segurança Pública do Estado. 
Em outras palavras, a Guerra Interna é política de Estado. É uma guerra autofágica no interior de uma mesma classe social que se confunde com o grupo racial negro. Nela, jovens vítimas de problemas comuns são levados a crer que o inimigo a ser eliminado é aquele que parece com sua própria imagem refletida no espelho das desigualdades sócio-raciais, enquanto que essas desigualdades simplesmente desaparecem na imagem desse mesmo espelho tingido de sangue pela guerra interna ou pela ideologia burguesa do “violencentrismo”. 
Hertz Dias*

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Meu Quilombo tem Raça, Meu Quilombo tem Classe.

Hertz Dias

Somos milhões de negros e negras espalhados por esse planeta e esse país, mas nossa negritude não é acéfala e nem a-histórica. Desde que o primeiro de nossos antepassados foi arrancado da África e pisou nesse continente, dizemos: temos negritude! Nossa negritude brotou da necessidade de resgatar a nossa humanidade, e isso só foi possível se rebelando contra o capitalismo escravocrata. Nossa humanidade e nossa negritude nasceram como negação da escravidão e do capitalismo.
Somos homens e mulheres com raça, somos homens e mulheres com classe. Sua igreja criou as bases para justificar nossa condição de coisa. Seus padres, seus Vieiras, seus Antonís disseram que não tínhamos almas. Seus intelectuais negaram nossa humanidade. Mesmo isolados, sós, por conta própria, nunca fomos sectários, construímos alianças com os mais diversos grupos sociais oprimidos. Em nossos quilombos eram bem vindos índios, brancos pobres, prostitutas. O capital nos jogou nos guetos,mas nosso lugar nunca foi esse. Estivemos nos principais movimentos de libertação desse país, fomos balaios, cabanos, malês, farrapos. Nossa consciência negra não abriga falsos heróis que a história dos ricos forjou.
Manuel Beckmam, morto por querer escravizar índios e adquirir negros, não é herói de nossas consciências. Nossa consciência negra não expõe nossas crianças ao sol quente dos desfiles do 7 de setembro para comemorar a independência de um país que manteve a escravidão existindo por mais 66 anos.
 D. Pedros e Izabel’s podem até ser até homenageados com nome de escolas de samba, mas não desfilam na passarela de nossas consciências.   Meu Quilombo tem raça, meu quilombo tem classe. Meu quilombo é o de Luiz Gama é daqueles que se propõe a defender e conceder liberdade ao escravo que ousa enrolar no pescoço do seu senhor as correntes que outrora os aprisionavam.
 Nossas menções honrosas são para as milhares de mulheres negras que arrancavam de suas entranhas o filho mestiço fruto do estupro do senhorzinho branco. Maldito sejam eles! Bendito sejam elas! O teu país mestiço, racista, não é fruto de amor, pois minhas bisavós não eram objeto de prazer e nem barriga de aluguel.
 Meu Quilombo, minha negritude, é internacionalista, é de Malcolm, é de Steve Biko, de Wine, das Dandaras. Sou negro sim, irmão do povo líbio, sírio, egípcio, iraquiano, afegão.Minha negritude não suporta ditadura, não suporta opressão.
Sou negro palestino, por que a intifada é negritude, sou negro irmão da classe trabalhadora européia que ora se levanta contra seus governos e patrões. Sim, são meus irmãos, e por que não? Minha negritude é de classe. Sou a prova viva que Huanda, Uganda, Etiópia e todos os meus países africanos que hoje estão mergulhados na barbárie do capitalismo irão se levantar,  irão te destruir, não tenha dúvida imundo mundo capitalista.
Precisamos destruir o sistema que gera o racismo. Sim irmão Malcolm, assim fez os meus irmãos haitianos. Nações brancas, capitalistas, imperialistas, escravocratas, caíram aos pés de nossos irmãos e irmãs do Haiti.  Dessalines,  Tousantine, não é Lula, não é Dilma, não é Obama. Mãos imundas, retirem suas tropas do Haiti. A ONU não representa os interesses do meu povo, A ONU representa os interesses daqueles países que há dois séculos expulsamos da ilha de São Domingos. Meu Quilombo renasce com raça e com classe nos morros ocupados do Rio de Janeiro, nas cadeias superlotadas de presos políticos cor de ébano, nas greves dos canteiros de obras do PAC. Renascemos nas comunidades Quilombolas. No Charco, em Frechal, renascemos como milhares de Flavianos sedentos por justiça, por que nossa negritude é imortal pra você capitalista, pra você latifundiário.
A teu 13 de maio minha consciência opõe o 20 de novembro. Tua abolição concentrou terra, me negou educação, me jogou nas favelas, nos manicômios, nas cadeias. As portas e os muros da tua universidade eurocêntrica irei derrubar um a um, uma a uma, com minha história, minha cultura, minha ciência, minha inteligência que, aliás, não pode ser medida pelo seu padrão individualista de conhecer o mundo, de estabelecer relações sociais. A cultura daquela que tu nega eu reivindico. Sou sim África e daí?  Quero a parte que me cabe, mas não transformar meu direito a educação em uma mercadoria. Quero cotas nas universidades públicas e vou brigar por isso, odeio teu “PRO-UNE” mercadológico. Devolve o que é nosso, meu povo nunca te pediu nada, exigimos, brigamos, morremos, matamos. Minhas irmãs nunca foram dondocas, não querem só igualdade de gênero, aliás, em seu imundo Brasil colonial, estávamos lá lado a lado com nossos irmãos africanos;  nos canaviais, nas senzalas, nos quilombos, sem frescura. Só queimar sutiã não serve pra mim, quero igualdade de classe, mulher que explora não é minha irmã. Meus irmãos e irmãs não oprimem e não  exploram. No sangue de Obama e Condoleza Rice não tem DNA de quilombola e sim de capitão do mato.
Nas minhas veias corre o sangue de Magno Cruz, Zumbi, Anastácia, Firmina, Dandara,  Clóvis Moura, de Silvia Cantanheide.
Estou de volta com Raça e Classe, de volta às ruas, aos becos, as favelas, nas rimas do rap, nas pernadas da capoeira, na ginga do reggae, nas salas das escolas, das universidades, estou de volta não para te reformar capitalismo imundo, não para te humanizar racista democrático, estou de volta para te destruir enquanto estrutura e superestrutura. Meus pêsames, eu sou o germe de tua destruição, meu nome é Movimento Quilombo Raça e Classe.

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Valeu Magno Cruz.
Hertz Dias

Ei irmão Magno, tá me escutando negão? Permita-me conversar contigo, pois sei que você sempre foi divã para as angústias de nossas negritudes. Posso falar? Tenho certeza que não estás triste, com saudades imagino. Não estás triste por que sei que tua indignação na luta, sem nunca ter perdido a ternura, foi sempre no sentido de fazer brotar alegria em meio ao jardim de pedra de nossas dificuldades. Hoje está dormindo, amanhã acordarás para a eternidade. Zumbi, Malcolm, Cosme, Dandara, Firmina e tantos outros te esperam, vai ter festa no Quilombo. Vai ter Gerô nos Cordéis, Escrete no Afoxé, Preto Ghóez nas rimas, Ras Francisco tocando uma seqüência de reggae roots e Antônio Vieira maestrando a festa. Fala pra Silva Cantanheide não esquecer dos “MENINOS DO HIP HOP”, só lembra a ela que a maioria desses meninos já são quase avôs. Encontra um jeitinho de dizer pra Olorum que ele poderia esperar só mais um pouquinho, ficamos meio “bolado” com ele, Deus apressadinho esse hein?. Tudo bem cara, você venceu a morte, agora tem o privilégio de ser imortal. Você se imortalizou nas tranças dredelokes de quem antes tinha vergonha dos seus carapinhos. Você fez renascer o orgulho negro destruído pelo racismo brasileiro. Se teu CCN foi o ventre de todas as demais entidades negras do Maranhão, você foi genitor de nossa negritude moderna. Olha, não vai falar isso pra Zumbi e CIA pra não rolar ciumeira, mas é verdade, se não fosse por você muitos de nós não teríamos se quer ouvido falar na história deles. Sem oficialmente ser, você foi nosso maior professor, às vezes meio profético. Muito não acreditavam que chegaríamos até aqui. Na mata fechada do racismo você ajudou abrir e alargar as trilhas de nossas negritude. Você fez o improvável se tornar possível. Você tinha uma missão sem ser messias, nunca se “gabou” do que fez, mas fez sempre por amor e com amor. Lutou por quem nunca viu e por quem nunca foi visto, AMIGO INVISIVEL de verdade!!! Não interpreta nossas lágrimas só como sinônimo de tristeza. Sentimento humano é complicado mesmo, você sabe disso. Na verdade choramos por que lembramos tudo de bom que você fez. Choramos por que somos egoístas, queríamos você sempre conosco, entende né? Tudo bem, os deuses africanos sabem o que fazem, não precisa lembrar não. Camarada, sempre que possível sinalize para nós, vamos ficar esperando. Resistências, Vitórias, Conquistas, Alegrias, Justiça, Igualdade, Solidariedade, Orgulho, Auto-estima, em cada um desses momentos você estará nos acompanhando e sinalizando. De agora em diante vamos nos dedicar um pouco mais para fazer valer cada um desses objetivos coletivos, para que você possa está muito mais vezes conosco.

VALEU NEGÃO!!!!!!!!!


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João Cândido e a consciência negra.

Rosenverck E. Santos

Em 22 de novembro de 1910 dezenas de marinheiros, a maioria negros, tomaram os navios nos quais trabalhavam e apontaram os canhões para a capital federal – Rio de Janeiro – fazendo uma série de exigências. Reclamavam dos baixos salários, das péssimas condições de trabalho, saúde e alimentação e exigiam o fim dos castigos corporais por meio das chibatas, razão pela qual este movimento ficou conhecido por Revolta da Chibata. Cobravam que a Marinha e o Brasil deveriam fazer valer a República de cidadãos e não uma fazenda escravocrata, como atestava o manifesto redigido pelos marinheiros. Então, qual o real significado dessa revolta? Qual a importância dos marinheiros negros, em especial João Cândido para aquele momento e, principalmente, para os dias de hoje quando comemoramos o dia da consciência negra?
Em 1895, alguns anos após a abolição institucional da escravidão, a Escola Nacional de Belas Artes premiava com a medalha de ouro o espanhol radicado no Brasil, Modesto Brocos pela pintura intitulada a “A redenção de Cam”.
O quadro é emblemático, pois logo após a proclamação da República a elite brasileira oriunda dos grandes escravocratas buscava pensar o país sob as bases republicanas. A ideologia dos ex-escravocratas brasileiros afirmava que era preciso garantir a ordem para atingir oprogresso. Ou seja, o país precisaria entrar no rol dos países civilizados. Necessitava-se conquistar o padrão civilizacional e isso só seria possível se nos assemelhássemos e tivéssemos como referência o continente europeu. Logo de pronto, um problema se instalou: - como ser um país civilizado – à semelhança europeia – se a maior parte da população brasileira era composta por negros/as e seus descendentes?
A pintura do espanhol procura responder a esta inquietação. Na cena reproduzida vê-se uma senhora negra com as mãos para o céu agradecendo o fato de seu neto ter nascido branco, visto ser fruto da relação de um homem branco com uma mulher mestiça. O que isso representa? Aponta para a necessidade de embranquecer o país para atingir a civilização tão sonhada pelos escravocratas. Precisava-se regenerar a nação brasileira composta por pessoas de cor – por meio de seu embranquecimento. A imigração europeia foi uma resposta concreta a esta ideologia. O início da República, portanto, foi marcado por ações que pretendiam afastar a população negra das cidades e torná-las parecidas com a Europa. Essa é uma das razões, por exemplo, da Revolta da Vacina e da expulsão da população negra e pobre para os morros do Rio de Janeiro. A redenção de Cam é um retrato da ideologia escravocrata remanescente do Império e que marcava essencialmente a constituição da República e os seus órgãos e instituições com a Marinha brasileira. Representava também todo um projeto da elite republicana para a população negra deste país.
Sabe-se que muitas ideias e justificativas foram utilizadas para escravizar os/as africanos/as. Uma tem importância fundamental: a justificativa religiosa. Setores da Igreja Católica buscando legitimar a escravização africana afirmaram baseados na bíblia (Gênesis 9, 21-27) que os/as africanos/as eram herdeiros de Cam, filho de Noé, amaldiçoado por seu pai e predestinado a ter uma vida de servo, bem como seus descendentes. Num malabarismo histórico, os/as africanos/as forma tornados descendentes de Cam e, portanto, passíveis do amaldiçoamento bíblico.

Nesse sentido, a escravização e os castigos corporais como as chibatadas dos chicotes senhoriais seriam o preço a pagar pela redenção do pecado cometido por Cam. Era a sina da população negra africana e seus descendentes visando a regeneração e purificação dos pecados. A Marinha do Brasil, portanto, empreendia e legitimava a ideologia da escravidão que durante século vicejou em terras nacionais e que com a instituição da República foi reconfigurada por meio da ideologia do branqueamento e, posteriormente, com o mito da Democracia Racial. Mas se esse pensamento funcionou para a classe dominante legitimar seus atos, não serviu aos escravizados e seus descendentes para aceitarem a suposta determinação celestial. Pelo contrário, desde os primeiros dias da escravidão que a resistência a ela se fez sentir de inúmeras formas e de variadas ações: suicídios, fugas, quilombos, quebra de maquinaria, queima da produção, “assassinato” dos senhores e revoltas, muitas revoltas...
O 20 de novembro passou a significar todo esse conjunto de ações que combateu a escravidão, o racismo e busca, até os dias de hoje, construir um país justo e democrático. O dia da consciência negra – comemorado contemporaneamente - é uma data para refletir sobre a condição de vida da população afrodescendente e empreender ações para transformá-la. É uma data de reflexão-ação-reflexão, é um exemplo da práxis transformadora com o objetivo de superar as desigualdades sociais e raciais e edificar outra sociedade livre do racismo e da hierarquização social. Mas o que João Cândido e Revolta dos Marinheiros em 1910 têm a ver com isso?
A revolta dos marujos negros e pobres foi muito mais que um movimento só contra as chibatas. Representou uma reação a ideologia racista e as desigualdades sociais e raciais presentes no Brasil Republicano e materializadas na expulsão dos trabalhadores/as pobres e negros/as para as favelas e na clivagem sócio-racial da marinha com seus oficiais brancos e descendentes dos oligarcas latifundiários e escravocratas e os marujos em sua maioria negros recrutados à força. Ainda se acreditava – como na maldição de Cam – que os negros deveriam ser chicoteados, pois só assim seriam pacificados e regenerados. Engano total!
João Cândido e seus marujos negros provaram o contrário. Disseram para o Brasil inteiro que não aceitavam o mito religioso – mesmo sem ter consciência dele – nem tampouco as condições desiguais impostas. O racismo, as discriminações e o projeto de embranquecimento e “regeneração” pretendido pela elite brasileira foi combatido intensamente por meio dos navios (Minas Gerais, São Paulo e Bahia) tomados pelos marujos negros e pobres liderados por João Cândido.
Sendo a primeira revolta da Marinha organizada e liderada exclusivamente por marujos [...]  russos do Encouraçado Potemkin em 1905.


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